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CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL INTERPRETADO

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Jurisreferência

STJ. A decretação de nulidades processuais deve ser excepcional

Data: 16/03/2016

O processo civil deve ser visto como sistema que favoreça, na maior medida possível, um julgamento quanto ao mérito da causa, sempre respeitado o princípio da paridade de armas. Assim, o intérprete deve evitar a criação de óbices que não estejam dispostos expressamente em lei. A decretação de nulidades processuais deve ser excepcional.

Íntegra do acórdão:

RECURSO ESPECIAL Nº 944.040 - RS (2007⁄0091038-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : R P G
ADVOGADO : ALESSANDRO MAMBRINI E OUTRO
RECORRIDO : M G
ADVOGADO : RODRIGO MAZZAROTTO GUARESE
EMENTA

Processo civil. Agravo de instrumento. Cumprimento do disposto no art. 526 do CPC. Juntada de cópia do recurso e do rol de documentos que o acompanharam. Juntada também de cópia dos documentos que acompanharam o agravo, em segundo grau. Desnecessidade. Ônus não determinado por lei. Necessidade de interpretar o processo civil como sistema criado para a viabilizar a prolação de uma decisão quanto ao mérito da causa. Recurso improvido.
- O art. 526 do CPC exige apenas que a parte junte, em primeiro grau, cópia do agravo de instrumento interposto e da respectiva relação de documentos. A juntada de cópia das peças que acompanharam o recurso não é disposta em lei e, portanto, não pode ser exigida pelo intérprete.
- O processo civil deve ser visto como sistema que favoreça, na maior medida possível, um julgamento quanto ao mérito da causa, sempre respeitado o princípio da paridade de armas. Assim, o intérprete deve evitar a criação de óbices que não estejam dispostos expressamente em lei. A decretação de nulidades processuais deve ser excepcional.
Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 25 de maio de 2010(Data do Julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 944.040 - RS (2007⁄0091038-0)

RECORRENTE : R P G
ADVOGADO : ALESSANDRO MAMBRINI E OUTRO
RECORRIDO : M G
ADVOGADO : RODRIGO MAZZAROTTO GUARESE

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por R. P. G., visando a impugnar acórdão exarado pelo TJ⁄RS no julgamento de agravo de instrumento.
Ação: de separação judicial litigiosa com pedido declaratório de união estável e requerimento de fixação de alimentos provisórios, ajuizada por R. P. G. em face de M. G. A medida liminar pleiteada foi deferida, fixando-se os alimentos em um salário mínimo e meio, vigente à época do pagamento.
Agravo de instrumento: foi interposto por M. G., alegando, entre outras questões, que a agravada foi responsável pela separação, por ter iniciado relação extraconjugal poucos meses após a celebração do casamento, bem como que a união do casal se estendeu por pouco tempo, de modo que não haveria necessidade de pagamento de pensão.
Decisão unipessoal: conferiu efeito suspensivo ao agravo, por tratar-se "de mulher jovem (25 anos), saudável, com plenas condições de exercer atividade remunerada". Suspendeu-se, com isso, a obrigatoriedade de pagamento de pensão.
Impugnação: a agravada impugna o agravo de instrumento, argumentando, entre outras questões, que o art. 526 foi descumprido pelo agravante. O motivo é o de que este apresentou, ao juízo de primeiro grau, apenas cópia do agravo que interpusera, deixando de juntar ao processo uma série de documentos novos que haviam acompanhado aquele recurso.
Decisão: o relator deu provimento ao agravo de instrumento, por decisão unipessoal. Ponderou que, apesar de não cumprido na integralidade o comando contido no art. 526, esse fato não trouxe nenhum prejuízo para o processo. No mérito, entendeu que a agravada não careceria de receber alimentos provisórios.
Acórdão: manteve a referida decisão unipessoal, nos termos da seguinte ementa:

"AGRAVO INTERNO. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO EM VIRTUDE DO NÃO CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ART. 526 DO CPC.
Ainda que não cumprida a formalidade exigida pelo artigo 526, parágrafo único, em sua integralidade pelos recorrentes, tal fato nenhum prejuízo trouxe aos agravados. A finalidade da norma disposta no artigo 526 do CPC é possibilitar o juízo de retratação e o conhecimento da interposição do recurso pelo agravado. Preliminar afastada.
FIXAÇÃO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS.
Tratando-se de pessoa jovem, capaz, sem filhos e, considerando o pouco tempo de casamento entre as partes, descabe a fixação de alimentos provisórios."

Embargos de declaração: opostos, foram rejeitados.
Recurso especial: interposto por R. P. G. com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. Alega-se violação do art. 526 do CPC e 1.694 e 1.695 do CC⁄02, além de divergência jurisprudencial.
Admissibilidade: o recurso foi admitido na origem.
Parecer do MPF: da lavra do i. Subprocurador-Geral da República Dr. Henrique Fagundes Filho, opinou-se pelo parcial conhecimento do recurso e, nessa parte, pelo seu provimento, reconhecendo-se a violação do art. 526 do CPC.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 944.040 - RS (2007⁄0091038-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : R P G
ADVOGADO : ALESSANDRO MAMBRINI E OUTRO
RECORRIDO : M G
ADVOGADO : RODRIGO MAZZAROTTO GUARESE

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

I - Delimitação da lide

Cinge-se a lide a definir se a ausência de juntada pelo agravante, em cumprimento ao art. 526 do CPC, perante o juízo de primeiro grau, de documentos que foram apresentados ao Tribunal por ocasião da interposição de agravo de instrumento, deve conduzir ao não conhecimento desse recurso, ainda estabelecida a ausência de prejuízos para as partes. Além dessa questão, é também objeto deste recurso definir se o acórdão recorrido deve ser reformado no que diz respeito à fixação de alimentos em separação judicial litigiosa.

II - A juntada de cópia do agravo em primeiro grau (art. 526 do CPC)

II.1.) Os requisitos para que se admita a discussão da matéria - REsp Repetitivo 1.008.667⁄PR

Em data recente, o STJ estabeleceu, em julgamento de Recurso Especial Representativo de Controvérsia Repetitiva, que o descumprimento da regra do art. 526 do CPC deve ser alegado pelo agravado em sua primeira oportunidade de manifestação, no processo, normalmente nas contrarrazões (REsp 1.008.667⁄PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Corte Especial, DJe 17⁄12⁄2009).
Esses requisitos foram cumpridos neste processo. O recorrente alegou o descumprimento do art. 526 como preliminar nas contrarrazões (fls. 129 e ss) e comprovou sua alegação com certidão subscrita pelo Escrivão Judicial, dando conta de que "o requerido (agravante) protocolou petição noticiando a interposição do agravo de instrumento" (...) e "que foi juntada aos autos apenas cópia da inicial do agravo, não estando a mesma acompanhada de qualquer outro documento mencionado na segunda forlha de petição do agravo" (fl. 148)
Tendo o agravado satisfeito as exigências mencionadas no supracitado recurso especial, é possível analisar sua irresignação nesta sede.

II.2.) A obrigatoriedade de juntada de cópias de documentos

O cerne da discussão deste processo está em se definir o alcance da norma do art. 526 do CPC. O agravante, então recorrido, juntou em primeiro grau, nos três dias subseqüentes à interposição do agravo de instrumento, petição informando o juízo da interposição do recurso, bem como cópia dessa peça processual. Na cópia do agravo está dito, expressamente, que "para instruir o pedido junta, em anexo, cópia de todas as peças deste processo, bem como cópia da petição inicial e do despacho inicial referente ao processo autuado sob o nº 1.06.0000696-5 (ação de separação judicial litigiosa que M. G. move contra R. P .G.)".
Ou seja: o agravante satisfez a exigência de juntar, em primeiro grau, a cópia do recurso e a relação de documentos que o instruiram.
A questão, porém, é que o ora recorrente afirma que o recorrido juntou, no agravo de instrumento, documentos novos que não foram reproduzidos, por cópia, no processo em primeiro grau. A tese defendida neste recurso, portanto, é a de que a falta desses documentos implica o descumprimento da regra do art. 526 do CPC.
O TJ⁄RS rejeitou a tese do recorrente sob o fundamento de que "tal fato nenhum prejuízo trouxe à agravada", haja vista que "a finalidade da norma disposta no art. 526 é possibilitar o juízo de retratação e o conhecimento da interposição do recurso pelo agravado." Esse juízo de retratação não teria sido prejudicado pela falta de juntada, em primeiro grau, dos documentos que acompanharam o agravo de instrumento.
Tenho sempre sustentado que o processo civil deve, na maior medida possível, exercer de forma efetiva sua função de instrumento criado para viabilizar que se chegue, com justiça e em regime de paridade de armas, a uma decisão de mérito. Assim, o acolhimento de nulidades processuais, a repetição de atos, o sistema de preclusões e presunções devem, sempre, consubstanciar regras de aplicação excepcional. Nesse sentido ponderei, por ocasião do julgamento do REsp 963.977⁄RS, (DJe 05⁄09⁄2008):

"Com efeito, o Processo Civil muito comumente vem sendo distorcido de forma a prestar enorme desserviço ao Estado Democrático de Direito, deixando de ser instrumento da Justiça, para se tornar terreno incerto, recheado de armadilhas e percalços, onde só se aventuram aqueles que não têm mais nada a perder.
A razoabilidade deve ser aliada do Poder Judiciário nessa tarefa, de forma que se alcance efetiva distribuição de Justiça. Não se deve, portanto, impor surpresas processuais, pois estas só prejudicam a parte que tem razão no mérito da disputa. Tenho dito, neste sentido, que o processo civil dos óbices e das armadilhas é o processo civil dos rábulas. Mesmo os advogados mais competentes e estudiosos estão sujeitos ao esquecimento, ao lapso, e não se pode exigir que todos tenham conhecimento das mais recônditas nuances criadas pela jurisprudência. O direito das partes não pode depender de tão pouco. Nas questões controvertidas, convém que se adote, sempre que possível, a opção que aumente a viabilidade do processo e as chances de julgamento da causa. Basta do processo como fim em si mesmo. O processo deve viabilizar, tanto quanto possível, a resolução de mérito."

Com efeito, conforme aduzi no julgamento REsp 901.556 (Corte Especial, DJe 03⁄11⁄2008): "o formalismo processual não pode ser interpretado de maneira desvinculada de sua finalidade, que é a garantia de um processo justo, célere, prático e desenvolvido em paridade de armas. Apoiando-se na autoridade de MAURO CAPPELLETTI, CARLOS ALBERTO ÁLVARO DE OLIVEIRA afirma que só é lícito pensar no conceito de formalismo 'na medida em que se prestar para a organização de um processo justo e servir para alcançar as finalidades últimas do processo em tempo razoável e, principalmente, colaborar para a justiça material da decisão'. ('O Formalismo-valorativo no confronto com o Formalismo excessivo', Revista de Processo 137, págs. 7 a 31, esp. pág. 13). Assim, o juiz não está autorizado a interpretar a lei processual de maneira a dificultar que se atinja uma solução para o processo se há, paralelamente, uma forma de interpretá-la de modo a se chegar a tal solução."
O art. 526 do CPC limita-se a dispor que "o agravante, no prazo de 3 (três) dias, requererá juntada, aos autos do processo de cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso". O parágrafo único dessa norma comina a pena de não conhecimento do recurso para a hipótese de comprovado descumprimento desse dever.
No processo em julgamento, o agravante cumpriu referida incumbência. Consoante atestado pela certidão de fl. 148, foram apresentadas, em primeiro grau, tanto a cópia do recurso como a respectiva relação de documentos. Não há exigência expressa na lei para que também eventuais cópias de documentos novos juntados perante o Tribunal sejam acostadas à petição referida no art. 526 do CPC. Sem exigência expressa nesse sentido, a omissão do agravante em promover essa juntada não pode conduzir à gravíssima consequência do não conhecimento de seu recurso, mesmo porque o agravado foi intimado para respondê-lo, tomando ciência da documentação. Isso seria, como dito acima, levar o processo a consequências extremas, permitindo seu uso como mera armadilha, em prejuízo da efetiva apreciação judicial dos interesses em litígio.
É significativo, nesse ponto, notar que a pretensão do agravante se revestia de importância e razoabilidade, tanto que o Tribunal, após repelir o óbice do não conhecimento do recurso, houve por bem reconhecer seu direito, afastando a obrigatoriedade de pagamento de pensão.
Nos pareceres juntados pelo Ministério Público aos autos, tanto perante o TJ⁄RS (fls. 262 a 263, v.), como perante o STJ (fls. 412 a 419), a opinião foi a mesma: o parquet entende que o agravo não pode ser conhecido, por força da violação ao art. 526 do CPC. Se conhecido o recurso, contudo, a opinião é sempre de que ele deve ser provido, dada a desnecessidade de pagamento de alimentos à agravada. Sendo assim, negar ao agravante, ora recorrido, amparo a seu direito reconhecido meramente porquanto não foi cumprida uma obrigação que sequer está expressa na lei, é medida exagerada. Dessa forma, notadamente diante da ausência de prejuízos certificada pelo Tribunal local, reputo cumprida a obrigação fixada no art. 526 do CPC, negando provimento ao recurso quanto a esse aspecto.

III - A necessidade de alimentos - arts. 1.694 e 1.695 do CC⁄02

O TJ⁄RS reputou desnecessária a prestação de alimentos provisórios com base na análise que fez do substrato fático-probatório do processo, de modo que a revisão da matéria é vedada pelo óbice da Súmula 7⁄STJ.

Forte nessas razões, nego provimento ao recurso especial.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2007⁄0091038-0
[PROCESSO_ELETRONICO] REsp 944040 ⁄ RS

Números Origem: 10600006973 70015785280 70017844028

PAUTA: 25⁄05⁄2010 JULGADO: 25⁄05⁄2010
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM XAVIER TAVARES

Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : R P G
ADVOGADO : ALESSANDRO MAMBRINI E OUTRO
RECORRIDO : M G
ADVOGADO : RODRIGO MAZZAROTTO GUARESE

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ⁄BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 25 de maio de 2010

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária

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