A propósito da instituição da fundação, a lição do mestre Humberto Theodoro Júnior, em sua obra "Curso de Direito Processual Civil", vol. III, Forense, 22ª edição, p. 405/406: "O estatuto de uma fundação pode ser elaborado pelo próprio instituidor ou por outrem, a quem ele atribua esse encargo (art. 1.199). Uma vez confeccionado, caberá ao interessado, por meio de petição, submeter o estatuto à apreciação do Ministério Público estadual da sede da instituição. Como curador legal, examinará a regularidade do ato constitutivo e a viabilidade econômica da fundação, pronunciando-se em quinze dias (art. 1.200). Se houver aprovação do curador, os estatutos serão levados ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, para que se dê a aquisição da personalidade jurídica pela instituição (Lei nº 6.015/73, arts. 114 a 121). Se os estatutos não forem considerados em ordem, o órgão do Ministério Público recomendará as modificações a serem feitas pelo instituidor; ou, se as irregularidades forem insanáveis, denegará a aprovação (art. 1.201). Não se conformando com a deliberação do curador, seja quanto às modificações, seja quanto ao indeferimento da petição, caberá ao interessado recorrer ao juiz para obter suprimento da aprovação recusada pelo Ministério Público (art. 1201, § 1º)".
Íntegra do acórdão:
Apelação Cível n. 2.0000.00.371704-4/000, de São Domingos do Prata.
Relator: Des. Paulo Cézar Dias.
Data da decisão: 26.02.2003.
Número do processo: 2.0000.00.371704-4/000(1) Número CNJ: 3717044-06.2000.8.13.0000
Relator: PAULO CÉZAR DIAS
Relator do Acórdão: Não informado
Data do Julgamento: 26/02/2003
Data da Publicação: 15/03/2003
EMENTA: SUMPRIMENTO DE CONSENTIMENTO - INSTITUIÇÃO DE FUNDAÇÃO - DOTAÇÃO INICIAL - ESTATUTO. Nos termos do art. 1.200, do CPC, o estatuto da fundação é que deve ser submetido ao órgão do Ministério Público, sendo que o patrimônio inicial da fundação será aquele ali constante. Ademais, "a insuficiência dos dotados, destinados a formar o patrimônio da fundação, não causam obstáculo à aprovação do estatuto, nem ao seu registro".
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 371.704-4, da Comarca de SÃO DOMINGOS DO PRATA, sendo Apelante (s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS e Apelado (a) (os) (as): ANTÔNIO CARLOS SANTOS,
ACORDA, em Turma, a Quarta Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, NEGAR PROVIMENTO.
Presidiu o julgamento o Juiz PAULO CÉZAR DIAS (Relator) e dele participaram os Juízes BATISTA FRANCO (Revisor) e ALVIMAR DE ÁVILA (Vogal).
O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.
Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2003.
JUIZ PAULO CÉZAR DIAS
Relator
V O T O
O SR. JUIZ PAULO CÉZAR DIAS:
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através do Promotor de Justiça Lauro Henrique Schimansky Sodré, recorre da decisão da ilustre Juíza da comarca de São Domingos da Prata que, nos autos da ação de suprimento de aprovação de instituição de fundação movida por Antônio Carlos Santos, declarou suprido o consentimento para instituição da fundação requerida.
As razões de recurso expendidas pelo apelante foram objeto de referência no relatório de folhas.
Conheço do recurso, verificados os pressupostos do juízo de sua admissibilidade.
Cuidam os autos de uma ação de suprimento judicial ajuizada pelo apelado visando a aprovação de instituição de fundação. O autor alegou que a fundação que pretende instituir, ao contrário do entendimento esposado pelo representante do Ministério Público, não se trata de uma rádio comunitária, mas sim de uma rádio educativa que é regulamentada pelo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117, de 27/08/62). Ademais, pode haver investimento do setor privado no patrimônio e nos dispêndios correntes da fundação.
O ilustre representante do Ministério Público contestou o pedido inicial, alegando que o estudo de viabilidade da fundação apresentado pelo instituidor, a rigor, não descreve de forma pormenorizada, os recursos que a fundação gerará para a sua auto-sustentação. Pelo contrário, afirma que o objetivo a ser perseguido pela instituição é atrair o investimento do setor privado em marketing, o que já induz em uma atividade especulativa. Alegou que a dotação inicial de R$10.000,00 (dez mil reais) está muito aquém do que é necessário, sendo que o depósito de R$30.000,00 (trinta mil reais), após o recebimento da concessão, e o depósito mensal de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) não têm qualquer garantia de cumprimento. Afirmou que são contraditórios a minuta de escritura pública, o estudo de viabilidade econômica e a ata da assembléia deliberativa de instituição da fundação.
A M.M. Juíza de primeiro grau declarou suprido o consentimento para instituição da fundação requerida, sob o fundamento de que:
"a finalidade da fundação é lícita, não se podendo neste momento afirmar que a pretensão de manter uma emissora de rádio seja travestida de ilegalidade, mesmo porque, se assim vier a ocorrer, permite a lei civil a extinção da fundação, quando nociva ou impossível, incorporando-se o patrimônio a outras fundações com o mesmo escopo."
Inconformado, recorre o representante do Ministério Público, sustentando que o estatuto de viabilidade apresentado pelo requerente prevê a dotação inicial à fundação de apenas R$10.000,00 (dez mil reais), com posterior depósito, pelo instituidor, de R$30.000,00 (trinta mil reais), após o recebimento da concessão. Afirma que o instituidor prevê que depositará, mensalmente, em nome da fundação, a quantia de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) até a mesma tornar-se auto-suficiente. Ocorre que não há, em vista da documentação acostada aos autos, qualquer garantia legal dos depósitos subseqüentes ao depósito inicial.
Argumenta que o estudo de viabilidade econômica contraria a própria minuta da escritura pública de instituição da fundação e a ata da assembléia geral de constituição da fundação, já que estas estabelecem como patrimônio inicial da instituição, a ser depositado pelo instituidor, a quantia de R$30.000,00 (trinta mil reais).
Por fim, argumenta que qualquer das dotações iniciais apresentadas pelo autor estão muito aquém para a concretização dos fins institucionais, até mesmo porque problemas técnicos eventualmente surgirão, o que pode exigir da entidade mais fundos para saná-los.
Conforme dispõe o art. 24, do Código Civil:
"Para criar uma fundação, far-lhe-á o seu instituidor, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la."
Diante da relevância das fundações no meio social, foram as mesmas colocadas sob a custódia do Ministério Público do Estado onde se situarem.
A propósito da instituição da fundação, a lição do mestre Humberto Theodoro Júnior, em sua obra "Curso de Direito Processual Civil", vol. III,Forense, 22ª edição, p. 405/406:
"O estatuto de uma fundação pode ser elaborado pelo próprio instituidor ou por outrem, a quem ele atribua esse encargo (art.1.199).
Uma vez confeccionado, caberá ao interessado, por meio de petição, submeter o estatuto à apreciação do Ministério Público estadual da sede da instituição. Como curador legal, examinará a regularidade do ato constitutivo e a viabilidade econômica da fundação, pronunciando-se em quinze dias (art. 1.200).
Se houver aprovação do curador, os estatutos serão levados ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, para que se dê a aquisição da personalidade jurídica pela instituição (Lei nº 6.015/73, arts. 114 a 121).
Se os estatutos não forem considerados em ordem, o órgão do Ministério Público recomendará as modificações a serem feitas pelo instituidor; ou, se as irregularidades forem insanáveis, denegará a aprovação (art. 1.201).
Não se conformando com a deliberação do curador, seja quanto às modificações, seja quanto ao indeferimento da petição, caberá ao interessado recorrer ao juiz para obter suprimento da aprovação recusada pelo Ministério Público (art. 1201, § 1º)."
In casu, verifica-se que o autor, ora apelado, pretende instituir uma fundação para concessão de rádio educativa, sendo que, para tal, submeteu à aprovação do Ministério Público a minuta do estatuto.
Nos termos do art. 1200, do CPC, o estatuto da fundação, prevendo seu patrimônio inicial, deve ser submetido ao órgão do Ministério Público, o qual verificará se foram observadas as bases da fundação e se os bens são suficientes ao fim a que ela se destina.
Desta forma, a dotação inicial da fundação deve seguir o seu estatuto, onde, in casu, foi estabelecido um patrimônio inicial na quantia de R$30.000,00 (trinta mil reais) (f. 28).
Conforme foi assinalado pela M.M. Juíza de primeiro grau:
"A ata da assembléia é a lei a ser seguida pelo instituidor, valendo para todos os efeitos as cláusulas ali elencadas, notadamente no que tange ao valor declarado de R$30.000,00 no ato da instituição. Os demais recursos, itens II a V seriam futuros, e portanto não exigíveis no ato de criação."
Ademais, conforme se extrai da lição de Nicolau Balbino Filho:
"a insuficiência dos dotados, destinados a formar o patrimônio da fundação, não causam obstáculo à aprovação do estatuto, nem ao seu registro." (In "Contratos e Sociedades Civis", 5ª edição, Ed. Saraiva, p. 15).
Quanto ao fato de o estudo da viabilidade econômica contrariar a minuta da escritura pública de instituição da fundação e a ata da assembléia geral de constituição da fundação, vejo que também não se constitui em motivo para o indeferimento do pedido de instituição da fundação, pois, nesse caso, caberia ao Ministério Público determinar a adequação dos referidos documentos e não indeferir, de plano, o pedido de instituição da fundação.
Ressalte-se que ao Ministério Público cabe exigir as prestações de contas periódicas da fundação, no seu regular exercício de fiscalização, zelando pela fundação e promovendo, caso ocorra alguma das hipóteses previstas no art. 1.204, do Código de Processo Civil, a extinção da fundação.
Conforme concluiu a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 44.384, zelar pela fundação:
"significa exercer toda atividade fiscalizadora, de modo efetivo e eficiente, em ação contínua e constante, a fim de verificar se realizam os seus órgãos dirigentes proveitosa gerência da fundação, de modo a alcançar, de forma mais completa, a vontade do instituidor."
Assim, deve o operoso Ministério Público da comarca de São Domingos do Prata fiscalizar as contas da fundação e sua gerência, garantindo, dessa forma, o seu bom funcionamento.
Por fim, relativamente à alegação de que as dotações iniciais apresentadas pelo autor estão muito aquém para a concretização dos fins institucionais, já que problemas técnicos eventualmente surgirão, vejo que também sem razão o apelante, pois:
"A lei brasileira, assim como a doutrina e a legislação pátria, não oferece qualquer indicação precisa do que seja a dotação inicial mínima indispensável e suficiente para a instituição de uma fundação. Não existe um critério a nortear a fixação da quantidade e expressão monetária do patrimônio inicial de uma fundação. Do exame dos arts. 24 e 25 do Código Civil resta claro ao intérprete e aplicador da lei que o legislador estabeleceu que os bens integrantes da dotação inicial devem ser para a concretização dos fins a que se destina a fundação." (José Eduardo Sabo Paes, in "Fundações e Entidades de Interesse Social", Ed. Brasília Jurídica, 3ª edição, p. 213).
Concluindo, como no caso sub examine a finalidade da fundação é lícita, inexiste fundamento para o indeferimento do pedido de sua instituição.
Por essas razões, nego provimento ao recurso, mantendo, in totum, a r. sentença hostilizada.
Sem custas.
JUIZ PAULO CÉZAR DIAS