A aplicação do art. 285-A do CPC, mecanismo de celeridade e economia processual, supõe alinhamento entre o juízo sentenciante, quanto à matéria repetitiva, e o entendimento cristalizado nas instâncias superiores, sobretudo no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
A demanda de revisão de contratos bancários, em regra, também versa sobre questões de fato, o que, por si, afasta a possibilidade de aplicação do art. 285-A da legislação processual civil.
O simples fato de existir jurisprudência consolidada do STJ acerca de determinadas matérias não gera a conclusão de que a questão suscitada é unicamente de direito para, em seguida, invocar o art. 285-A do CPC, pois a subsunção à norma e à interpretação dos julgados dos tribunais superiores necessitam do amplo conhecimento do arcabouço fático.
Íntegra do acórdão:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.201.357 - AC (2010⁄0130564-3)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S⁄A
ADVOGADOS : GILBERTO EIFLER MORAES E OUTRO(S)
ÂNGELO AURÉLIO GONÇALVES PARIZ E OUTRO(S)
ANTÔNIO MANOEL ARAÚJO DE SOUZA E OUTRO(S)
RECORRIDO : MARIA RAIMUNDA DE OLIVEIRA E SILVA
ADVOGADO : ANTONIO BATISTA DE SOUSA E OUTRO(S)
EMENTA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATOS BANCÁRIOS. VIOLAÇÃO AO ART. 557, § 1º, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ART. 285-A DO CPC. IMPROCEDÊNCIA PRIMA FACIE. NECESSIDADE DA CONFORMIDADE DO ENTENDIMENTO DO JUÍZO SENTENCIANTE COM A JURISPRUDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS SUPERIORES. EXEGESE TELEOLÓGICA. PEDIDO DE REVISÃO DE INSTRUMENTOS BANCÁRIOS. DEMANDA QUE ENVOLVE QUESTÃO FÁTICA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Não há falar em afronta ao art. 557 do CPC em virtude de o recurso ter sido decidido monocraticamente pelo relator quando, em sede de agravo interno, este é reapreciado pelo órgão colegiado do Tribunal de origem.
2. As matérias de ordem pública não estão sujeitas ao regime de preclusão e podem ser conhecidas de ofício pelo juiz. Assim, tendo o Tribunal de origem concluído que a manutenção da sentença viola os princípios do contraditório e da ampla defesa e, por tal razão, anular ex officio a decisão do juízo de piso, não conduz em ofensa aos arts. 128, 460 e 514 do Código de Processo Civil.
3. A aplicação do art. 285-A do CPC, mecanismo de celeridade e economia processual, supõe alinhamento entre o juízo sentenciante, quanto à matéria repetitiva, e o entendimento cristalizado nas instâncias superiores, sobretudo no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
4. A demanda de revisão de contratos bancários, em regra, também versa sobre questões de fato, o que, por si, afasta a possibilidade de aplicação do art. 285-A da legislação processual civil.
5. O simples fato de existir jurisprudência consolidada do STJ acerca de determinadas matérias não gera a conclusão de que a questão suscitada é unicamente de direito para, em seguida, invocar o art. 285-A do CPC, pois a subsunção à norma e à interpretação dos julgados dos tribunais superiores necessitam do amplo conhecimento do arcabouço fático.
6. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti (Presidente) e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.
Brasília, 08 de setembro de 2015 (data do julgamento).
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.201.357 - AC (2010⁄0130564-3)
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S⁄A
ADVOGADOS : GILBERTO EIFLER MORAES E OUTRO(S)
ÂNGELO AURÉLIO GONÇALVES PARIZ E OUTRO(S)
ANTÔNIO MANOEL ARAÚJO DE SOUZA E OUTRO(S)
RECORRIDO : MARIA RAIMUNDA DE OLIVEIRA E SILVA
ADVOGADO : ANTONIO BATISTA DE SOUSA E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. MARIA RAIMUNDA DE OLIVEIRA SILVA ajuizou ação em face de BANCO DO BRASIL S⁄A, objetivando a declaração de nulidade de cláusulas abusivas dos instrumentos negociais objetos da demanda - especialmente aquelas que tratam de índices de juros e sua capitalização, correção monetária, multa, comissão de permanência -, expurgando o anatocismo das relações para que o cálculo seja realizado na forma simples e sem capitalização mensal.
Postula, ainda, a fixação da forma de cálculo e o montante devido, com a modificação dos critérios de correção das prestações pagas, aplicando-se o IGPM como expoente inflacionário; a incidência do Código de Defesa do Consumidor, a liberação de sua margem consignável para eventuais empréstimos, bem como a declaração, por via de exceção, da inconstitucionalidade dos artigos 1º, caput e §§ 1º, 3º e 4º, e 7º da Lei n. 10.820⁄2003.
Requer também a consignação em juízo dos valores eventualmente apurados pela perícia e⁄ou a repetição em dobro do que for verificado a título de crédito, realizando-se as devidas compensações, e a condenação da parte ré ao pagamento das despesas processuais.
O juízo de piso julgou improcedente os pedidos, aplicando-se o disposto no art. 285-A do Código de Processo Civil, por entender que a causa versa sobre questão unicamente de direito, tratando de causas idênticas a decididas em outros processos.
Irresignado, o autor - ora recorrido - interpôs recurso de apelação, ao qual foi dado provimento por decisão unipessoal para reconhecer, de ofício, a nulidade da sentença e, via de consequência, determinar a remessa dos autos à instância de origem para observância da marcha processual determinada pela legislação processual civil.
Contra essa decisão, o réu - ora recorrente - interpôs agravo interno, cujo recurso não foi provido conforme a ementa abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO CÍVEL. DECISÃO MONOCRÁTICA. ART. 557, § 1º-A, DO CPC. SENTENÇA. JULGADOS DE TRIBUNAIS SUPERIORES. DIVERGÊNCIA. IMPROVIMENTO DO RECURSO.
1."Havendo posicionamento firme da Câmara Cível quanto à desconstituição da sentença fundamentada no art. 285-A do Código de Processo Civil, aplicado apenas quando a matéria for unicamente de direito, mostra-se possível o provimento da Apelação Cível, com fundamento no § 1º-A do art. 557 do Estatuto Processual Civil, em atenção aos princípios da economia e da celeridade processual." (Precedente: Agravo Regimental em Apelação Cível 2009.002119-7 – Acórdão nº 6.623 – Relª Desª Izaura Maia – J: 1º.09.2009)
"Se a sentença julgou a lide com fundamento no art. 285-A, do Código de Processo Civil, impedindo que as questões de fato fossem comprovadas pelos sujeitos do contraditório, deve ser anuladas, mediante provocação da parte ou até mesmo de ofício, já que se trata de questão de ordem pública, em face da violação de literal disposição de lei e, sobretudo, por ofender os princípios do contraditório e da ampla defesa." (Precedente: Acórdão 6.310. Apelação Cível 2009.001967-3. Relª. Desª. Miracele Lopes. j. 17.07.2009).
Agravo interno improvido.
Opostos embargos de declaração (fls. 203-207), foram rejeitados (fls. 225-231).
Sobreveio recurso especial interposto por BANCO DO BRASIL S⁄A (fls. 270-292), apoiado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, no qual se alega, além dissídio jurisprudencial, ofensa ao disposto nos arts. 128, 285-A, 460, 514 e 557, § 1º-A do Código de Processo Civil.
Sustenta inicialmente a nulidade do julgamento monocrático da apelação, ao fundamento de que não houve observância da necessidade de demonstrar o confronto da sentença com a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Assevera que o Tribunal de origem anulou a sentença sem que houvesse pedido formulado pelo recorrente, o que viola o princípio da devolutividade recursal (tantum devolutum quantum apelatum).
Aduz que o juízo de primeiro grau aplicou corretamente o comando inserto no art. 285-A do CPC, pois "se trata de matéria única e exclusivamente de direito, vez que se trata de situação fática oriunda de contrato bancário, onde o autor busca tão-somente a discussão de suposta abusividade na contratação das cláusulas contratuais e juros remuneratórios" (fl. 282).
Alega que a matéria referente a contratação da taxa de juros em empréstimos bancários se monstra unicamente de direito, tornado-se desnecessária a instrução probatória para se apurar a sua abusividade, pois os extratos constante do autos mostram que os juros foram contratados à taxa de 1,90% ao mês, portanto, dentro da média do mercado.
Após as contra-razões (fls. 308⁄315), o especial foi admitido na origem (fls. 317⁄8).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.201.357 - AC (2010⁄0130564-3)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S⁄A
ADVOGADOS : GILBERTO EIFLER MORAES E OUTRO(S)
ÂNGELO AURÉLIO GONÇALVES PARIZ E OUTRO(S)
ANTÔNIO MANOEL ARAÚJO DE SOUZA E OUTRO(S)
RECORRIDO : MARIA RAIMUNDA DE OLIVEIRA E SILVA
ADVOGADO : ANTONIO BATISTA DE SOUSA E OUTRO(S)
EMENTA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATOS BANCÁRIOS. VIOLAÇÃO AO ART. 557, § 1º, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ART. 285-A DO CPC. IMPROCEDÊNCIA PRIMA FACIE. NECESSIDADE DA CONFORMIDADE DO ENTENDIMENTO DO JUÍZO SENTENCIANTE COM A JURISPRUDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS SUPERIORES. EXEGESE TELEOLÓGICA. PEDIDO DE REVISÃO DE INSTRUMENTOS BANCÁRIOS. DEMANDA QUE ENVOLVE QUESTÃO FÁTICA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Não há falar em afronta ao art. 557 do CPC em virtude de o recurso ter sido decidido monocraticamente pelo relator quando, em sede de agravo interno, este é reapreciado pelo órgão colegiado do Tribunal de origem.
2. As matérias de ordem pública não estão sujeitas ao regime de preclusão e podem ser conhecidas de ofício pelo juiz. Assim, tendo o Tribunal de origem concluído que a manutenção da sentença viola os princípios do contraditório e da ampla defesa e, por tal razão, anular ex officio a decisão do juízo de piso, não conduz em ofensa aos arts. 128, 460 e 514 do Código de Processo Civil.
3. A aplicação do art. 285-A do CPC, mecanismo de celeridade e economia processual, supõe alinhamento entre o juízo sentenciante, quanto à matéria repetitiva, e o entendimento cristalizado nas instâncias superiores, sobretudo no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
4. A demanda de revisão de contratos bancários, em regra, também versa sobre questões de fato, o que, por si, afasta a possibilidade de aplicação do art. 285-A da legislação processual civil.
5. O simples fato de existir jurisprudência consolidada do STJ acerca de determinadas matérias não gera a conclusão de que a questão suscitada é unicamente de direito para, em seguida, invocar o art. 285-A do CPC, pois a subsunção à norma e à interpretação dos julgados dos tribunais superiores necessitam do amplo conhecimento do arcabouço fático.
6. Recurso especial não provido.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. De início, verifica-se que a jurisprudência desta Corte Superior possui entendimento no sentido de que não viola o princípio da colegialidade quando a decisão monocrática é proferida em obediência ao art. 557, § 1º, do Código de Processo Civil, segundo o qual é permitido ao relator dar provimento a recurso quando a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.
Ademais, é facultado ao prejudicado a via do agravo regimental (ou interno) para o respectivo colegiado, permitindo a apreciação de todas as questões suscitadas no recurso e suprindo, assim, eventual violação do artigo 557 do CPC.
Nesse sentido:
________
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 557 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. EXAME PELO COLEGIADO EM SEDE DE AGRAVO INTERNO. FALTA DE IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA N. 283⁄STF. DECISÃO MANTIDA.
1. O recurso especial que não impugna fundamento do acórdão recorrido suficiente para mantê-lo não deve ser admitido, a teor da Súmula n. 283⁄STF.
2. Consoante a jurisprudência desta Corte, não há falar em afronta ao art. 557 do CPC em virtude de o recurso ter sido decidido monocraticamente pelo relator quando, em sede de agravo interno, este é reapreciado pelo órgão colegiado do Tribunal de origem.
3. Agravo regimental a que nega provimento.
(AgRg no AREsp 624.874⁄CE, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 04⁄08⁄2015, DJe 13⁄08⁄2015)
________
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ART. 14 DA LEI N. 10.826⁄03. ARMA DESMUNICIADA.
DELITO DE PERIGO ABSTRATO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Não viola o princípio da colegialidade a decisão do relator que dá provimento a recurso, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, c⁄c 3º do CPP, tendo em vista a possibilidade de submissão do julgado ao exame do órgão colegiado, mediante a interposição de agravo regimental.
2. A Terceira Seção desta Corte firmou o entendimento no sentido de que o porte de arma desmuniciada se insere no tipo descrito no art.
14 da Lei 10.826⁄2003, por ser delito de perigo abstrato, cujo bem jurídico é a segurança pública e a paz social, sendo irrelevante a demonstração de efetivo caráter ofensivo por meio de laudo pericial (AgRg nos EAREsp 260.556⁄SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26⁄3⁄2014, DJe 3⁄4⁄2014).
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1529596⁄MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04⁄08⁄2015, DJe 20⁄08⁄2015)
________ [original sem grifos]
3. De outro lado, as matérias de ordem pública não estão sujeitas ao regime de preclusão e podem ser conhecidas de ofício pelo juiz. Assim, tendo o Tribunal de origem concluído que a manutenção da sentença viola os princípios do contraditório e da ampla defesa e, por tal razão, anular ex officio a decisão do juízo de piso, não conduz em ofensa aos arts. 128, 460 e 514 do Código de Processo Civil.
A propósito, confira-se o seguintes precedentes:
________
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AUTO DE INFRAÇÃO. APREENSÃO DE CARGA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. TRANSPORTADOR. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. VEÍCULOS DE PROPRIEDADE DE TERCEIRO SUPOSTAMENTE DE BOA-FÉ. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7⁄STJ.
1. Na hipótese dos autos, o argumento de que o julgamento a quo teria incidido em vício extra petita não prospera, tendo em vista que a ilegitimidade de parte constitui matéria de ordem pública que pode ser reconhecida de ofício na instância ordinária, ex vi do disposto no art. 267, § 3º, do CPC. Precedentes.
2. Ademais, extrai-se do acórdão objurgado que o acolhimento da pretensão recursal demanda o reexame do contexto fático-probatório, mormente de documentos que atestem a propriedade dos veículos apreendidos, o que não se admite ante o óbice da Súmula 7⁄STJ.
3. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no AREsp 557.289⁄MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02⁄06⁄2015, DJe 05⁄08⁄2015)
________
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MORAL E MATERIAL. CONTA-POUPANÇA. TRANSFERÊNCIA INDEVIDA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. AUSÊNCIA DA NECESSÁRIA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. CERCEAMENTO AO DIREITO DE DEFESA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. ANULAÇÃO DE OFICIO DA SENTENÇA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Evidenciada a necessidade da produção de provas requeridas pela autora, a tempo oportuno, constitui cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, com infração aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
2. A violação a tais princípios constitui matéria de ordem pública e pode ser conhecida de ofício pelo órgão julgador.
3. Recurso especial não-provido.
(REsp 714.467⁄PB, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02⁄09⁄2010, DJe 09⁄09⁄2010)
________ [original sem grifos]
4. Quanto à questão de fundo, de natureza processual, a controvérsia ora instalada diz respeito aos limites e às possibilidades de aplicação do art. 285-A do Código de Processo Civil, inserido pela Lei n. 11.277⁄2006, e que contém a seguinte redação:
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.
Na parte que interessa, o acórdão recorrido assim dispôs:
[...]
Quanto ao mérito, trata-se de Apelação Cível contra sentença que julgou antecipadamente a lide, a teor do art. 285-A, do Código de Processo Civil, com a improcedência do pedido da Autora, culminando na extinção do processo com resolução do mérito, ex vi do art. 269, I, do Código de Processo Civil.
Todavia, nesta instância, restou acolhida questão de ordem para declarar a nulidade da sentença calcada no art. 285-A, do Código de Processo Civil, sob a convicção de que ausente o requisito inerente à matéria exclusivamente de direito, motivo da decisão recorrida, conforme excerto a seguir reproduzido:
"...Volta-se o pleito recursal contra sentença que na forma do art. 285-A, Código de Processo Civil, julgou antecipadamente a lide, conferiu improcedência aos pedidos da Apelante e declarou a extinção do processo com resolução do mérito, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil.
Dessumo dos autos que o pedido originário da Apelante objeto da inicial visa a anulação das cláusulas contratuais tida por abusivas, na conformidade do Código de Defesa do Consumidor, bem assim aquelas porventura abrangendo juros superiores a 12% ao ano, capitalização mensal de juros e cobrança moratória superior a 1 % (um por cento) do saldo devedor.
Todavia, entendendo que a espécie versa unicamente sobre matéria unicamente de direito bem como de ação repetitiva, atendo-se ao art. 285-A, do Código de Processo Civil, o magistrado prolatou sentença pois, conforme assertoa, guarda identidade com o pedido objeto da causa controvertida.
Decerto que segundo a dicção do art. 285-A, do Código de Processo Civil 'quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada'.
Entretanto, o artigo 285-A do Código de Processo Civil, somente tem incidência – com reprodução de sentença em casos idênticos – quando a matéria controvertida for unicamente de direito.
Neste aspecto, dessumo que a controvérsia posta neste recurso não reside em matéria exclusivamente direito, mas, também (e essencialmente) abrange matéria de fato, já que o cerne da questão atém-se à alegada presença de juros abusivos a exigir a instrução do feito e análise pormenorizada dos fatos.
Logo, não há como aferir a suposta irregularidade sem a certeza plena, somente possibilitada com a juntada do contrato aos autos, razão disso, ao meu pensar, necessária a citação da instituição financeira, ora Apelada, para contestar a demanda, inclusive ante o pleito da Apelante de inversão do ônus da prova visando comprovar a alegada abusividade das cláusulas contratuais.
Assim, ressai que a decisão paradigma não se ajusta à controvérsia em análise como bem acentua a eminente Desembargadora Miracele Lopes, em caso análogo, cujo excerto colaciono como razão decidir: "...Se não há contrato nestes autos, não podemos compará-lo com o julgado anteriormente, já que não conhecemos as cláusulas do negócio bancário ora em exame" (Acórdão 6.310. AC 2009.001967-3. Rel. Desa. Miracele Lopes. j. 17.07.2009)
Portanto, no caso, a questão deverá ser dirimida conforme as provas a serem produzidas no feito – matéria que não se amolda à espécie de julgamento antecipado – nos termos do art. 285-A, do Código de Processo Civil.
Razão disso, ausente determinação visando a citação da Apelada para contestar a demanda, dessumo a afronta da decisão recorrida ao principio do contraditório e da ampla defesa, ensejando à Apelada situação vantajosa em detrimento da Apelante, na hipótese, a parte mais prejudicada com a manutenção dos juros nos moldes da pretensão da Apelada.
Ademais, em matéria de direito do consumidor o ônus da prova é um instrumento à disposição da parte hipossuficiente, induvidosamente, a quem imposta o contrato de adesão, ou seja, subsumidas todas as cláusulas sem que admitida qualquer discussão sobre esta ou aquela taxa de juros.
Destarte, ao meu pensar, a sentença recorrida contém error in procedendo, relacionado à atividade de natureza formal, que invalida o ato judicial por violação à literal disposição de lei.
Em caso idêntico, decidiu recentemente o Órgão Fracionado Cível desta Corte Justiça, in verbis: [...]
Do exposto, acolho questão de ordem suscitada de ofício para declarar a nulidade da sentença recorrida (a partir da fl. 80) e, via de consequência, determino a remessa dos autos à instância de origem para observância à marcha específica determinada pelo Código Processual Civil, sob pena de violação aos princípios do contraditório e do devido processo legal, a teor do art. 557, do Código de Processo Civil" (fls. 143⁄149).
Neste aspecto, permanecendo inalteradas as circunstâncias fáticas e devidamente analisado o arrazoado recursal, ratifico a convicção externada na decisão monocrática ora recorrida, aderindo à convicção recentemente externada nesta Câmara Cível em casos que guardam simetria com a espécie, in verbis:
5. É bem de ver que, engendrado como instrumento de celeridade e racionalização do processo, o mencionado artigo tem sido nascedouro de grandes debates, sendo inclusive alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Conselho Federal da OAB (ADI n. 3.695⁄DF, relator Ministro Teori Zavascki), em síntese porque ofenderia o direito assegurado constitucionalmente à isonomia, ao contraditório e à ampla defesa.
O Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP, a sua vez, apresentou como amicus curiae petição subscrita pelo Prof. Cássio Scarpinella Bueno, postulando a improcedência do pedido (petição disponível no sítio eletrônico do IBDP: http:⁄⁄www.direitoprocessual.org.br⁄dados⁄file⁄enciclopedia⁄textos%20importantes⁄microsoft%20word%20-%20amicus%20curiae%20-%20285-a%20-%20ibdp.pdf).
De início, anoto que esta Turma, em outro julgado (REsp 1109398⁄MS, julgado em 16⁄06⁄2011), apreciou a extensão da fórmula "no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos".
Alinhavou este órgão julgador que a melhor exegese é a técnica de julgamento que supõe alinhamento entre o juízo sentenciante e o entendimento cristalizado nas instâncias superiores.
É que, à primeira vista, a literalidade do dispositivo pode sugerir que o norte a ser seguido no julgamento de improcedência liminar é o entendimento invariante do próprio juízo sentenciante.
Contudo, não há como dissociar-se da nova técnica de julgamento o paradigma costumeiramente utilizado pelo Código de Processo para outros pronunciamentos liminares ou monocráticos, qual seja, a existência de súmula ou jurisprudência dominante, notadamente de tribunais superiores.
Em várias passagens se comprova essa opção processual: art. 120, parágrafo único; art. 527, inciso I, e art. 557, caput e § 1º - A.
Nestes casos, o permissivo legal para julgamento liminar ou monocrático deita raízes na solidez da jurisprudência e não poderia ser diferente o raciocínio na aplicação do art. 285-A.
É de se ressaltar que juntamente como a Lei n. 11.277⁄2006 - que criou a denominada "improcedência prima facie" (art. 285-A) -, também a Lei n. 11.276⁄2006 trouxe a lume a chamada "súmula impeditiva de recursos", determinando ao juízo sentenciante o não recebimento da apelação quando "a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal" (art. 518, § 1º), em uma claríssima reverência à uniformização jurisprudencial.
Tal fator, inclusive, já era previsto no art. 475, § 3º, incluído pela Lei n. 10.352⁄01, uma espécie de "súmula impeditiva de reexame necessário" (SCARPINELLA BUENO, Cássio. In. Código de processo civil interpretado. Antonio Carlos Marcato (Coord.). 3 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 924).
Desse modo, não poderia mesmo a iniciativa de alterações legislativas prestigiar sentenças consentâneas com o entendimento dos tribunais superiores e, por outro lado, para as decisões singulares, desprezar a jurisprudência consolidada.
A bem da verdade, permitir que se profiram decisões contrárias a entendimentos consolidados, ao invés de racionalizar o processo, seguramente acabaria por fomentar o inconformismo da parte vencida e contribuiria com o patológico estado de litigiosidade verificado atualmente.
A doutrina também caminha nessa direção:
Também não nos parece que o dispositivo em questão deve ser aplicado nas hipóteses em que o entendimento do juízo revele-se contrário à posição do tribunal local e, com muito mais razão, quando essa incompatibilidade se der com a orientação do Superior Tribunal de Justiça ou com o Supremo Tribunal Federal. Esse entendimento deflui da preferência do sistema pelos entendimentos cristalizados nas Súmulas e manifestados por jurisprudência dominante (por exemplo, arts. 557 e 518, § 1º, do CPC). Deveras, se o juiz de primeiro grau proferir sentença com supedâneo no art. 285-A cujo entendimento destoe daqueles cristalizados em determinada súmula ou jurisprudência dominante, aludida decisão, segundo observado por Arruda Alvim, 'fatalmente será objeto de apelação', o que colidiria com um dos principais objetivos colimados pelas recentes reformas processuais, a saber, imprimir ao processo maior celeridade em sua tramitação, a teor do que dispõe o art. 5º, LXXVIII, da Constituição (ALVIM, Eduardo Arruda. Do julgamento de improcedência em casos repetitivos, à luz da Lei n. 11.277⁄2006. In. Revista Forense, vol. 1, 2007 (setembro⁄outubro), pp. 44-45).
________
Deve o juiz optar por evitar reprodução de sentenças que adotem orientação contrária àquela exarada por órgão jurisdicional hierarquicamente superior, em especial pelo STF e pelo STJ.
[...]
Caso o juiz de primeiro grau, fazendo uso do disposto no art. 285-A, profira sentenças que correspondam apenas ao seu entendimento pessoal, ainda que este seja contrário ao dominante em tribunal que lhe seja hierarquicamente superior, estará a proferir sentença que inevitavelmente será objeto de apleção (MEDINA, José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, pp. 286-287)
________
A razão de ser do art. 285-A é completamente incompatível com a idéia de se permitir ao juiz, em confronto com súmula do seu tribunal ou do Superior Tribunal de Justiça, rejeitar liminarmente uma ação idêntica.
Ou seja, o juiz não é obrigado a rejeitar liminarmente a ação repetitiva apenas porque há súmula do seu tribunal ou do Superior Tribunal de Justiça. Porém, não há racionalidade em admitir que ele possa rejeitá-la liminarmente em contrariedade com súmula destes tribunais.
Na hipótese em que a súmula consolidou o entendimento sobre a improcedência das demandas idênticas, a rejeição liminar da ação somente poderá observar a orientação do tribunal. Isto porque a razão de ser do julgamento liminar de improcedência seria frontalmente contrariada caso se admitisse uma decisão que negasse a súmula.
Ou melhor, há grande incoerência em admitir o julgamento liminar de improcedência de uma demanda idêntica quando se sabe que o tribunal - estadual ou regional federal - ou o Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento destoante daquele que conduziu ao abreviamento do processo (MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de conhecimento. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, pp. 101-102).
________
Deveras, o art. 285-A do CPC criou método de trabalho voltado à celeridade e racionalidade processuais, revelando-se como benfazeja técnica de julgamento que, se corretamente aplicada, possui a virtualidade até mesmo de por fim, ainda na primeira instância, a demandas repetitivas, tão comuns no âmbito do serviço público, do direito do consumidor, previdenciário e tributário.
Isso porque a submissão do juízo sentenciante à jurisprudência já consolidada também lhe abre a possibilidade de acionar o art. 518, § 1º, do CPC, impedindo a subida de recurso de apelação que veicule teses amplamente rechaçadas.
E nem se aduza que a interpretação do art. 285-A do CPC, nesses termos, contrasta com a independência da magistratura. Esta garantia hospeda-se nos escopos da própria jurisdição, dirigidos que são aos jurisdicionados, à sociedade e ao próprio Estado. A independência do juiz é mecanismo de otimização da jurisdição, a qual não deve ser prestada sob os influxos políticos externos ao sistema jurídico, sob pena de o jurisdicionado não receber a realização do que exatamente era desejado pelo direito material.
Nessa linha de raciocínio, como princípio assegurador, sobretudo, da qualidade da jurisdição, não pode ser ele acionado quando, ao invés de otimizar a prestação jurisdicional, na verdade lhe causar patente disfunção.
Nesse sentido, confira-se os precedentes abaixo:
_______
PROCESSUAL CIVIL. ART. 285-A DO CPC. APLICABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA CONTRÁRIA À ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM, DESTA CORTE SUPERIOR E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. Deve ser afastada a aplicação do artigo 285-A do Código de Processo Civil quando o entendimento do juízo de Primeira Instância estiver em desconformidade com orientação pacífica de Tribunal Superior ou do Tribunal local a que se encontra vinculado.
2. Precedente: REsp 1109398⁄MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 1.8.2011.
3. Recurso especial não provido.
(REsp 1279570⁄MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08⁄11⁄2011, DJe 17⁄11⁄2011)
_______
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. IMPROCEDÊNCIA PRIMA FACIE. ART. 285-A DO CPC. ENTENDIMENTO DO JUÍZO SENTENCIANTE. DISSIDÊNCIA RELATIVA ÀS INSTÂNCIAS SUPERIORES. APLICAÇÃO DA NOVA TÉCNICA. DESCABIMENTO.
EXEGESE TELEOLÓGICA.
1. A aplicação do art. 285-A do CPC, mecanismo de celeridade e economia processual, supõe alinhamento entre o juízo sentenciante, quanto à matéria repetitiva, e o entendimento cristalizado nas instâncias superiores, sobretudo junto ao Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
2. Recurso especial não provido.
(REsp 1109398⁄MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16⁄06⁄2011, DJe 01⁄08⁄2011)
_______
6. No caso em julgamento, resta saber se a demanda tratada se amolda ao conceito de "matéria controvertida unicamente de direito".
De antemão, nos moldes trazidos na petição inicial, compreendo que a presente ação de revisão de contratos bancários também versa sobre questões de fato, o que, por si, afasta a improcedência liminar dos pedidos formulados pela parte autora com base no art. 285-A da legislação processual civil.
Com efeito, irretocável o acórdão impugnado quando assevera "que a controvérsia posta neste recurso não reside em matéria exclusivamente de direito, mas, também (e essencialmente) abrange matéria de fato, já que o cerne da questão atém-se à alegada presença de juros abusivos a exigir a instrução do feito e análise pormenorizada dos fatos" (fl. 197).
Isso porque a prova da onerosidade excessiva, necessária à procedência do pedido de revisão e do descumprimento contratual, muitas vezes atravessa a simples análise de cláusulas do instrumento negocial, pois há situações em que a taxa de juros contratada é muito superior àquela efetivamente cobrada pela instituição bancária.
Em outras palavras, deve ser feito o cotejo entre "o que deveria" e "o que está sendo efetivamente cobrado" pelo banco para se chegar à correta solução da lide, evitando, assim, a perpetuação de verdadeiro descumprimento contratual.
Além disso, se percebe da exordial que o autor também sustenta a configuração de vícios de consentimento resultante de erro e dolo ao arguir que, no momento da celebração do contrato de mútuo, desconhecia o verdadeiro valor da coisa, pois não dispunha de meios adequados para obter informações exatas sobre o inteiro teor da tratativa negocial.
Não se pode olvidar também a possibilidade de exigência de encargos financeiros não contratados ou cobrados em desacordo com a lei ou atos normativos expedidos pelo Banco Central do Brasil (BACEN), o que afronta, de forma inarredável, os direitos dos clientes.
De outra banda, em diversas situações semelhantes a esta, a verificação da conformidade dos encargos com a lei passa pela busca da taxa média de juros praticada pelo mercado no momento da celebração do negócio jurídico, evidenciando mais ainda que o pedido não se refere a questão unicamente de direito.
Acrescente-se a circunstância de que não houve a juntada do contrato aos autos para permitir a aferição das ilegalidades suscitadas e, em contrapartida, decidir a controvérsia instaurada, fato que apenas corrobora a necessidade de dilação probatória com o eventual deferimento do pedido incidental de exibição de documentos.
Outrossim, ainda que o juízo de primeira instância entenda pela aplicação da jurisprudência pacificada no âmbito desta Corte Superior, especialmente diante da existência de julgados sobre negócios jurídicos bancários submetidos ao regime do art. 543-C do CPC (recursos representativos de controvérsia repetitiva), antes se deve ter a plena compreensão da situação fática da lide, que pode eventualmente exigir produção de prova técnica pericial com a consequente dilação probatória.
Assim, o simples fato de existir jurisprudência consolidada do STJ acerca de determinadas matérias não gera a conclusão de que a questão suscitada é unicamente de direito para, em seguida, invocar o art. 285-A do CPC, pois, repita-se, a subsunção à norma e à interpretação dos julgados dos Tribunais Superiores necessitam do amplo conhecimento do arcabouço fático.
Não se deve descurar que a demanda envolve a aplicação de normas relativas ao direito do consumidor, sendo possível a inversão do ônus probatório (art. 6º, VI, do CDC) para determinar que a instituição bancária apresente extratos referentes à relação contratual e arque com a carga de comprovar a legalidade dos encargos e juros exigidos.
Com esse raciocínio, veja o seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. ART. 285-A DO CPC. EXTINÇÃO PREMATURA DO PROCESSO. NULIDADE DA SENTENÇA. NECESSIDADE DE RETORNO DO AUTOS À ORIGEM. PROVIMENTO NEGADO.
1. O art. 285-A do CPC não pode ser aplicado na hipótese em que a pretensão deduzida em juízo não se resume à análise de matéria unicamente de direito.
2. Não se tratando de matéria eminentemente de direito, impõe-se o processamento regular da demanda, com a citação da parte contrária, facultando-se, outrossim, a produção das provas previamente requeridas, desde que necessárias ao deslinde da controvérsia.
3. Ademais, há cerceamento de defesa se o magistrado julga antecipadamente a lide e conclui pela improcedência do pedido, por falta de provas do direito alegado, sem facultar a produção de provas previamente requerida pela parte.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1087375⁄MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18⁄12⁄2014, DJe 04⁄02⁄2015) [original sem grifos]
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça compartilha tal entendimento quando define, em muitos casos, que a análise de ilicitude da cobrança de juros exige a convicção acerca dos fatos e provas angariados na fase instrutória e, dessa forma, quando discutidas no bojo do recurso especial geralmente atraem os óbice dos enunciados das Súmulas 5 e 7⁄STJ.
Nesse sentido:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMISSÃO COMO AGRAVO REGIMENTAL. CONCLUSÕES DO ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ E COM TESES FIRMADAS SEGUNDO A SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. SOLUÇÕES CUJA REVISÃO IMPLICARIA O REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ENUNCIADO 7 DA SÚMULA DO STJ. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS APTOS A INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Os embargos de declaração, quando opostos com propósito de obter rejulgamento, podem ser admitidos como agravo regimental, em atenção aos princípios da economia processual e da fungibilidade dos recursos. Precedentes.
2. O requerimento de exibição dos demonstrativos de despesas dos cartões de crédito e do contrato se reveste de índole meramente instrutória, sendo instrumental à apreciação do mérito. Consequentemente, se as questões de mérito foram resolvidas, a exibição documental requerida perde o sentido para a prestação jurisdicional.
3. De acordo com o entendimento jurisprudencial pacífico desta Corte Superior, não há violação do art. 535 do CPC nos casos em que o acórdão recorrido resolve com coerência e clareza os pontos controvertidos que foram postos à apreciação da Corte de origem, examinando as questões cruciais ao resultado do julgamento.
4. A verificação, no caso concreto, da ilicitude das taxas de juros previstas em contratos bancários, contrariamente às premissas fáticas fixadas pelas instâncias ordinárias, exige a interpretação de cláusulas contratuais e a formação de convicção acerca dos fatos da causa, a partir do material probatório produzido no processo, atividade vedada em recurso especial por força dos enunciados n. 5 e 7 da Súmula do STJ. Precedentes.
5. Se o agravante não traz argumentos aptos a infirmar os fundamentos da decisão agravada, deve-se negar provimento ao agravo regimental.
6. Embargos de declaração admitidos como agravo regimental, a que se nega provimento.
(EDcl no AREsp 634.184⁄DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04⁄08⁄2015, DJe 17⁄08⁄2015)
Dessa forma, entendo que não merece prosperar a alegação do recorrente, pois o acórdão impugnado deu a correta solução para demanda ao anular a sentença proferida em desarmonia com o art. 285-A do CPC, pois a questão também envolve matéria fática.
7. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2010⁄0130564-3
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.201.357 ⁄ AC
Números Origem: 1090056427 20090038082 20090038082000100 20090038082000101 20090038082000200
PAUTA: 08⁄09⁄2015 JULGADO: 08⁄09⁄2015
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S⁄A
ADVOGADOS : GILBERTO EIFLER MORAES E OUTRO(S)
ÂNGELO AURÉLIO GONÇALVES PARIZ E OUTRO(S)
ANTÔNIO MANOEL ARAÚJO DE SOUZA E OUTRO(S)
RECORRIDO : MARIA RAIMUNDA DE OLIVEIRA E SILVA
ADVOGADO : ANTONIO BATISTA DE SOUSA E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Contratos Bancários
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti (Presidente) e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.