Em uma das mais importantes obras sobre o tema, o professor e jurista Humberto Theodoro Júnior esclarece: "O requisito da comodidade é imposto à partilha com o intuito de assegurar ao condômino quinhão que lhe possa proporcionar o maior proveito e utilidade possíveis" (In Terras Particulares. Demarcação, Divisão, Tapumes. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 427). E ainda: "Adverte a boa doutrina, contudo, que o ideal da igualdade nem sempre pode ser alcançado de maneira absoluta, pois, muitas vezes, sua estrita observância conduzirá ao retalhamento de quinhões, que é desaconselhado pelo art. 978, caput, do Código de Processo Civil e que pode, mesmo, depreciar os quinhões ou torná-los inúteis à sua normal destinação econômica. Nesse assunto, adverte Faria Motta, nunca se devem estabelecer regras rígidas e absolutas, porque, em cada caso, circunstâncias particulares impõem-se à consideração e podem exigir o afastamento do critério normal da partilha...". Concluindo, segundo a melhor doutrina em matéria de divisão de terras, são três os requisitos para que se promova uma partilha perfeita: "a) a partilha deve ser completa, de modo a abranger todo o imóvel e todos os seus condôminos; b) a partilha deve ser igual, de sorte que todos sejam aquinhoados em plano da máxima igualdade possível; c) a partilha deve ser cômoda, de maneira a satisfazer os interesses particulares de cada condômino, desde que tal não redunde em prejuízo para os demais" (MARTINS, Tancredo e MARTINS, Octávio, Divisões e demarcações, 1917, apud JUNIOR, Humberto Theodoro, op. cit., p. 423-4).
Íntegra do acórdão:
Acórdão: Apelação Cível n. 2.0000.00.397837-8/000, de Itumirim.
Relator: Des. Vieira de Brito.
Data da decisão: 08.10.2003.
Número do processo: 2.0000.00.397837-8/000(1)
Relator: VIEIRA DE BRITO
Relator do Acórdão: Não informado
Data do Julgamento: 08/10/2003
Data da Publicação: 25/10/2003
EMENTA: AÇÃO DE DIVISÃO - POSSIBILIDADE DE AJUSTAMENTO DO LEVANTAMENTO PLANIMÉTRICO - CONVENIÊNCIA DAS PARTES - CONFRONTAÇÃO DAS GLEBAS DE MÃE E FILHO - ADMISSIBILIDADE ATESTADA PELA EQUIPE PERICIAL - APRESENTAÇÃO DE NOVA DIVISÃO, ATENDENDO-SE AOS REQUISITOS LEGAIS - VOTO VENCIDO. Se, no procedimento da ação divisória, foi afirmado pelo expert e os arbitradores que existe a possibilidade de confrontação entre as propriedades dos apelantes, mãe e filho, inexistindo nos autos qualquer outra proposta divisória neste sentido para que fosse discutida, é de se oportunizar nova divisão, atentando-se para o disposto no art. 978, do Código de Processo Civil, atendendo-se o quanto possível às conveniências das partes, evitando-se o retalhamento de quinhões (como se pode considerar o caso dos recorrentes). Não se declara a nulidade da divisão se a decisão que a homologou observou o critério de proporcionalidade dos títulos de domínio, utilizado pelo agrimensor e pelos arbitradores no plano e na formulação dos quinhões, estando descrita no memorial descritivo, não havendo indicação efetiva de prejuízo à posse e nenhuma especificação concreta de benfeitoria de condômino excluída do seu quinhão.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 397.837-8, da Comarca de ITUMIRIM, sendo Apelante (s): MARINA MENEZES DE OLIVEIRA CARVALHO e OUTRO e Apelado (a) (os) (as): MARITZA MENEZES DE OLIVEIRA,
ACORDA, em Turma, a Terceira Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, DAR PROVIMENTO, VENCIDO O JUIZ REVISOR.
Presidiu o julgamento o Juiz EDILSON FERNANDES e dele participaram os Juízes VIEIRA DE BRITO (Relator), MAURÍCIO BARROS (Revisor, vencido) e ALBERGARIA COSTA (Vogal).
Produziu sustentação oral, pelos Apelantes, o Dr. Jacob Lopes de Castro Máximo.
Belo Horizonte, 08 de outubro de 2003.
JUIZ VIEIRA DE BRITO
Relator
JUIZ MAURÍCIO BARROS
Revisor, vencido
JUÍZA ALBERGARIA COSTA
Vogal
V O T O S
SESSÃO DO DIA 01.10.2003
O SR. JUIZ VIEIRA DE BRITO:
Conheço do recurso, presentes os pressupostos para a sua admissibilidade.
Trata-se de Apelação Cível interposta por Marina Menezes de Oliveira Carvalho e seu filho, Sérgio Menezes de Oliveira Carvalho, contra sentença proferida pela MMª Juíza de Direito da Única Vara da Comarca de Itumirim, que, em sede de ação divisória proposta por Maritza Menezes de Oliveira, homologou a divisão apresentada pelos senhores peritos, julgando extinto o processo, com julgamento do mérito, nos termos do art. 980, do Código de Processo Civil.
Inconformados, apelam Marina Menezes de Oliveira Carvalho e seu filho, Sérgio Menezes de Oliveira Carvalho, alegando que a perícia judicial não passa de cópia do laudo pericial apresentado pela autora com a inicial, ressaltando que o perito do juízo informa que a área total escriturada é de 180,00 ha, ao mesmo tempo em que declara que a área encontrada no levantamento topográfico realizado pelo mesmo é de 210:80:61 ha. Argumentam que no primeiro levantamento a apelada, na divisão proposta, teria ficado com 33 ha, e no segundo, com 25,288 ha, sendo que o segundo levantamento refere-se a área maior que o primeiro, o que seria de causar espécie. Asseveram que em ambos levantamentos a recorrida "está ficando com as melhores terras e com todas as benfeitorias", apontando, ainda, omissão quanto a uma das benfeitorias, que seria uma tulha, cuja foto anexou-se ao apelo. Insurgem-se, também, contra o fato de que, pela divisão homologada, os apelantes, que são mãe e filho, tiveram suas terras separadas, devendo, de outro lado, ser contíguas, por questão de comodidade, sustentando que os senhores peritos consignaram em suas informações que há a possibilidade de que as áreas dos apelantes sejam confrontantes, entretanto, não trouxeram para os autos o estudo desta possibilidade. Dizem que nenhuma das partes foi ouvida acerca da possibilidade da divisão com a confrontação dos quinhões dos apelantes, não podendo, destarte, prevalecer o laudo, fato que violaria o contido no art. 978, do Código de Processo Civil, que preconiza sobre a consulta, pelos peritos, às partes acerca da comodidade da divisão proposta, a preferência dos terrenos contíguos às suas residências e benfeitorias e evitar o retalhamento dos quinhões em glebas separadas. Requerem seja cassada a sentença monocrática para que outro trabalho de campo seja feito, evitando o retalhamento das glebas dos apelantes, para que sejam suas glebas contíguas.
Em suas contra-razões, a apelada pugna pela manutenção da sentença objurgada.
Eis o breve relatório.
A primeira observação que deve ser feita, no presente caso, é que, conforme manifestação do ilustre Representante do Ministério Público, de fls. 549-verso (4º volume), a participação do Parquet no feito deu-se por finda, em face do levantamento da interdição da ré Magda Menezes de Oliveira, que se deu através de sentença cuja cópia encontra-se às fls. 541/546 dos autos (4º volume).
Em segundo lugar, cumpre consignar a excelência da MM. Magistrada de primeira instância, Dra. Raquel Discacciati Bello, na condução do feito, uma vez que se trata de matéria complexa, envolvendo muitos interesses familiares, lamentavelmente conflitantes, tendo sido instruído o processo com total retidão e em observância ao procedimento legal previsto para a hipótese, decidindo com firmeza os incidentes processuais e zelando pelo princípio do devido processo legal.
Entretanto, tenho que o apelo ora interposto deve ser provido, para que seja elaborado levantamento planimétrico em que fiquem contíguas as glebas dos apelantes, por vários motivos.
Primeiramente, porque, de fato, o art. 978, do Código de Processo Civil, em seu caput, o seguinte, verbis:
"Art. 978. Em seguida os arbitradores e o agrimensor proporão, em laudo fundamentado, a forma da divisão, devendo consultar, quanto possível, a comodidade das partes, respeitar, para adjudicação a cada condômino, a preferência dos terrenos contíguos às suas residências e benfeitorias e evitar o retalhamento dos quinhões em glebas separadas" (grifei).
Inclusive, quando apresentaram o laudo e o levantamento planimétrico, a douta julgadora abriu vista às partes para se manifestarem sobre o plano de divisão (fls. 657, volume 5), sendo que os ora apelantes discordaram do mesmo, sob o argumento de que seus quinhões ficaram separados, além de questionarem os valores e qualidade das terras atribuídas à ora recorrida (fls. 684/688, vol. 5).
Em face de tais manifestações, a MM. Juíza de primeira instância determinou vista ao perito e arbitradores (fls. 706, vol. 5), para que: a) esclarecessem se as divisas estavam sendo respeitadas; b) justificassem os valores atribuídos às terras e benfeitorias; c) retificassem o trabalho de divisão, a fim de que os quinhões de Marina Menezes de Oliveira Carvalho e seu filho Sérgio Menezes de Oliveira Carvalho se confrontassem, sendo certo que eventuais despesas relativas a tal fim ficariam a cargo dos interessados (destaquei).
E ao final de referida determinação, a insigne julgadora ainda consignou, verbis:
"Quanto à pretensão de Magda Menezes de Oliveira, exposta em petição a ser juntada aos autos, inviabilizado está desde logo transmitir-lhe seu quinhão, uma vez que a divisão do imóvel deverá sofrer nova alteração, conforme acima determinado. Assim, em que pese sua satisfação com a área que lhe foi reservada, há que se aguardar o fim dos trabalhos periciais" (destaquei).
Prestando esclarecimentos o perito e arbitradores, às fls. 730/731, acerca das impugnações feitas ao levantamento planimétrico pelos mesmos apresentado, justificaram os métodos utilizados para realização da perícia, bem como o porquê da distribuição das glebas da maneira como procedida, afirmando, ao final, no item "c" o seguinte:
"c) Com relação a retificação dos quinhões de Marina Menezes de Carvalho e Sérgio Menezes de Oliveira Carvalho, temos a esclarecer que inúmeras propostas de divisão foram tentadas, mas em função de existir percentuais diferentes para cada parte, a disponibilidade de água um fator limitante na propriedade e o elevado percentual de cobertura florestal, optamos pela divisão apresentada por ser a que permite o acesso a água por todos os quinhões e que cada um tenha a Reserva Legal mínima de 20%, obrigatória pela Lei Federal 4771/65, no seu art. 16º. Existe a possibilidade de distribuir os quinhões de maneira que os dois requerentes se confrontem, mas haverá um comprometimento de água para qualquer uma das partes, o que ao nosso arbítrio não é o recomendado".
De tais esclarecimentos foi dada vista às partes, sendo que Maritza Menezes de Oliveira Carvalho deu-se por cientificada, concordando com as informações, requerendo o prosseguimento do feito (fls. 746). Por sua vez, Marina e Sérgio (apelantes), revelam-se insatisfeitos quanto ao fato de não terem suas glebas contíguas, insistindo na questão relativa aos valores e qualidade das terras.
Ao final (fls. 789/792), foi proferida sentença de homologação da divisão de fls. 624/656.
Realmente, se foi afirmado pelo expert e os arbitradores que existe a possibilidade de confrontar as propriedades dos apelantes, mãe e filho, inexistindo nos autos qualquer outra proposta divisória neste sentido para que fosse discutida, principalmente se se atentar para o que bradam os recorrentes em suas razões, verbis:
"Ora, se existe a possibilidade, quem tem que saber sobre a sua conveniência ou não são as Partes e nunca o 'arbítrio' dos peritos, como querem que prevaleça" (fls. 806, volume 6), é de se oportunizar nova divisão, atentando-se para o disposto no art. 978, do Código de Processo Civil, atendendo-se o quanto possível às conveniências das partes, evitando-se o retalhamento de quinhões (como se pode considerar o caso dos recorrentes).
No que tange à insurgência dos apelantes quanto ao tamanho da gleba destinada à apelada, que teria diminuído do primeiro para o segundo levantamento planimétrico, quando, por ocasião deste último foi verificado que a área a ser dividida possui extensão maior que no primeiro levantamento, sendo incoerente o fato, razão não assiste aos recorrentes, pois como muito bem esclarecido pela equipe de perícia, às fls. 730/731 (vol. 5), itens "a" e "b", foi encontrada área superior àquela declarada em documento imobiliário, sendo feita a classificação das terras pela sua qualidade, o que resultou na compensação, entre as glebas, em termos de tamanho e produtividade, ficando a recorrida com área menor, porém mais produtiva, e os demais com terras bem mais extensas, de qualidade inferior, equiparando-se todas elas no que tange ao preço exatamente pela compensação tamanho/qualidade. Basta ver que o interessado Waldemar Menezes de Oliveira Júnior ficou com 37 ha 28 a 16 ca (trinta e sete hectares, vinte e oito ares e dezesseis centiares), enquanto à apelada restaram reservados 25 ha 28 a 80 ca (vinte e cinco hectares, vinte e oito ares e oitenta centiares), ou seja, apenas exemplificativamente, uma diferença de cerca de 12 ha (doze hectares) entre irmãos que deveriam, nos termos da divisão, possuir a mesma porcentagem de terras. Entretanto, em função do fato financeiro, para chegar-se a um equilíbrio econômico para todos, procedeu-se à aludida compensação, registrando, ainda, os profissionais que elaboraram o levantamento planimétrico que as propriedades apontadas pelos apelantes como parâmetro de venda, em termos de valores de mercado, são privilegiadas por sua localização próxima a recursos hídricos de vultosa importância local.
A questão da compensação é prevista na lei processual civil, que assim dispõe, em seu art. 979, inciso I, verbis:
"I - as benfeitorias comuns, que não comportarem divisão cômoda, serão adjudicadas a um dos condôminos mediante compensação" (destaquei).
E desde já, quanto à matéria relativa à distribuição de água entre as propriedades, não se pode perder de vista o contido no inciso II do mesmo dispositivo, verbis:
"II - instituir-se-ão as servidões que forem indispensáveis, em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no orçamento para que, não se tratando de servidões naturais, seja compensado o condômino aquinhoado como prédio serviente".
Assim, uma vez existente a possibilidade de se colocar em limite as propriedades de mãe e filho (apelantes), no procedimento divisório, conforme afirmado pelo perito e arbitradores, tenho como medida de justiça proporcionar às partes nova divisão, respeitando tais conveniências, guardando-se as devidas proporções econômicas das áreas, além de se observar a possibilidade de instituição de servidões, para que, mesmo não se atingindo a satisfação integral de todos, pelo menos seja proporcionada a contigüidade pleiteada pelos ora recorrentes.
Diante do exposto, renovando os elogios à atuação da ilustre Magistrada de primeiro grau no feito, com as considerações esposadas "in retro", casso a sentença monocrática, para que seja apresentada divisão alternativa daquela homologada, em que os apelantes tenham suas glebas em confrontação, como asseverado pela equipe pericial como possível.
Mediante tais considerações, DOU PROVIMENTO AO APELO.
Custas pela apelada.
O SR. JUIZ MAURÍCIO BARROS:
Igualmente, conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade, mas ouso divergir do voto proferido pelo eminente Juiz Relator.
A ação de divisão é aquela em que o condômino pede a divisão de coisa comum, exercitando um direito previsto no art. 629 do Código Civil de 1916, aplicável ao caso em julgamento.
Ultrapassada a primeira fase do procedimento divisório, inicia-se a seguinte, quando se levam a efeito as operações técnicas de demarcação e divisão.
A questão versada no presente recurso reside na insatisfação dos apelantes de não verem, no plano de divisão, seus quinhões confrontando um com o outro. Alegam, basicamente, para anular a r. sentença de homologação, a não observância do disposto no artigo 978 do Código de Processo Civil.
Após muito refletir sobre toda a atuação dos louvados na consecução dos trabalhos técnicos e no plano efetivamente elaborado, com base na fundamentação da r. sentença, que ora adoto como razão de decidir, entendo que o recurso não merece provimento.
Sobre a questão, leciona HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, ao discorrer sobre formalidades importantes no juízo divisório:
"O Juízo divisório é um procedimento eminentemente técnico. As formalidades que a lei traça para as perícias e os trabalhos finais de fixação de linhas e quinhões devem ser rigorosamente cumpridas, porque integram a essência do procedimento e representam o penhor de que seu objetivo será fielmente atingido. Assim, tem-se decidido que:
(...)
'Sob pena de nulidade da sentença, é indispensável que a prova pericial se realize dentro dos padrões técnicos determinados pela lei para a actio finium regundorum (TJMG, ap. 60.767, 4ª Câm. Cív., Rel. Des. Vaz de Mello)" ("Curso de Direito Processual Civil", volume III, 28. ed., Editora Forense, 2002, p. 219).
Portanto, em análise pormenorizada dos autos, entendo, assim como a douta MMª Juíza de primeiro grau, que os autos se encontravam prontos para a decisão meritória, não havendo irregularidade ou insuficiência na elaboração do levantamento técnico, produzido em compasso com o procedimento especial previsto.
O único argumento de que se valeram os apelantes para impugnar o plano de divisão foi -repito - a exigência de que seus quinhões ficassem contíguos. Para tanto, justificaram o seu pedido com base no art. 978 do Código de Processo Civil.
Entretanto, no meu entender, não houve ofensa alguma ao citado dispositivo legal, que dispõe que os técnicos deverão atender os interessados o "quanto possível", o que ocorreu ao longo de infindáveis trabalhos.
Na verdade, do dizer que os arbitradores deverão consultar, quanto possível, "a comodidade das partes", o aludido dispositivo legal não está dizendo que uma parte tem o direito de ver seu quinhão confrontando com o de outra determinada parte, mesmo que sejam mãe e filho, donde se conclui que não passa de mero capricho a pretensão dos recorrentes, ambos maiores e capazes. Aliás, quer me parecer que os apelantes pretendem, na verdade, eternizar o litígio, protelando a aceitação de um plano de divisão que não padece de qualquer vício.
Assim, não se deve declarar a nulidade da divisão se a decisão que a homologou observou o critério de proporcionalidade dos títulos de domínio, utilizado pelo agrimensor e pelos arbitradores no plano e na formulação dos quinhões, estando descrita no memorial descritivo, não havendo indicação efetiva de prejuízo à posse e nenhuma especificação concreta de benfeitoria de condômino excluída do seu quinhão.
Ademais, não foi demonstrado qualquer prejuízo aos apelantes. O que alegaram foi mera insatisfação pelo fato de não confrontarem seus quinhões.
Com essas considerações, e renovada vênia ao entendimento do eminente Juiz Relator, nego provimento ao recurso.
Custas recursais pelos apelantes.
A SRª JUÍZA ALBERGARIA COSTA:
Peço vista.
SESSÃO DO DIA 08.10.2003
O SR. JUIZ PRESIDENTE:
Este julgamento veio adiado a pedido da Juíza Vogal. O Relator dava provimento e o Revisor negava provimento.
A SRª JUÍZA ALBERGARIA COSTA:
Inicialmente ressalto que recebi o memorial elaborado pelos apelantes e o li atentamente.
Também conheço do recurso, vez que presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
O art. 629 do Código Civil de 1916 (diploma regente do presente caso) e o art. 1320 do Código Civil em vigor, estabelecem que é direito do condômino exigir, a qualquer tempo, a divisão da coisa comum. Essa determinação legal decorre do simples fato de que a indivisão e o condomínio são situações anômalas, que afrontam o caráter exclusivo do direito de propriedade, além de ser fonte geradora de um grande número de conflitos.
Portanto, existindo o interesse de qualquer co-proprietário em colocar um fim ao estado de indivisão do bem comum, afiguram-se 02 (duas) alternativas: a divisão amigável, que exige que todas as partes sejam maiores e capazes e que exista entre elas um consenso absoluto; ou a divisão judicial.
Sendo necessária a invocação da tutela jurisdicional do Estado para que se proceda a divisão, como aconteceu no caso destes autos, utiliza-se o procedimento de jurisdição contenciosa previsto nos arts. 946/949 (disposições gerais) e 967/981 do Código de Processo Civil, denominado ação de divisão de terras particulares.
Assim, no que se refere ao presente feito, cumpre consignar, de início, que a controvérsia aqui instaurada é inquestionavelmente complexa, pois além de envolver interesses familiares conflitantes, como ressaltou com muita propriedade o eminente Relator, importa a ponderação de critérios outros que, por demais subjetivos, parecem, a princípio, não condizer com a literalidade do dispositivo legal, como observou o não menos eminente Juiz Revisor.
Mas a razão pela qual este debate ganhou impulso é evidente, porquanto comum em casos de jurisdição contenciosa como a hipótese de que ora se trata. Reside ela no fato de que o plano de divisão de terras particulares não implica em uma mera divisão matemática baseada apenas no critério físico e quantitativo. Reportando às palavras de Hamilton de Moraes e Barros, "não se reduz a uma operação aritmética em que, simplesmente, se reparta uma área certa por condôminos determinados" (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IX, Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 1980, p. 166).
De fato, diversos outros fatores devem ser observados, pois o equilíbrio econômico a que se pretende chegar com a divisão entre os quinhões é influenciado pela qualidade e a natureza das glebas, que pode ser definida pela existência de benfeitorias, pela produtividade e valor das áreas, pelo local onde se situa a residência das partes, dentre outros. Ademais disso, não se pode perder de vista o atendimento aos princípios norteadores do procedimento divisório, a saber, o da igualdade, da proporcionalidade, e, ressalte-se, o consagrado princípio da comodidade das partes, que se apresenta imperioso na medida em que evita eventuais e futuros litígios entre os proprietários.
Vale consignar ainda que a partilha que se diz cômoda, porque implicou na observância de circunstâncias particulares de cada proprietário quanto à destinação econômica e a utilidade das terras, por vezes vai de encontro às normas apriorísticas de divisão, traçadas pela criteriosa escolha do agrimensor e dos arbitradores, exatamente porque o princípio da comodidade importa na flexibilização de critérios outros, como o da igualdade e da proporcionalidade. Em uma das mais importantes obras sobre o tema, o professor e jurista Humberto Theodoro Júnior esclarece:
"O requisito da comodidade é imposto à partilha com o intuito de assegurar ao condômino quinhão que lhe possa proporcionar o maior proveito e utilidade possíveis" (In Terras Particulares. Demarcação, Divisão, Tapumes. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 427).
E ainda:
"Adverte a boa doutrina, contudo, que o ideal da igualdade nem sempre pode ser alcançado de maneira absoluta, pois, muitas vezes, sua estrita observância conduzirá ao retalhamento de quinhões, que é desaconselhado pelo art. 978, caput, do Código de Processo Civil e que pode, mesmo, depreciar os quinhões ou torná-los inúteis à sua normal destinação econômica. Nesse assunto, adverte Faria Motta, nunca se devem estabelecer regras rígidas e absolutas, porque, em cada caso, circunstâncias particulares impõem-se à consideração e podem exigir o afastamento do critério normal da partilha...".
Concluindo, segundo a melhor doutrina em matéria de divisão de terras, são três os requisitos para que se promova uma partilha perfeita:
"a) a partilha deve ser completa, de modo a abranger todo o imóvel e todos os seus condôminos;
b) a partilha deve ser igual, de sorte que todos sejam aquinhoados em plano da máxima igualdade possível;
c) a partilha deve ser cômoda, de maneira a satisfazer os interesses particulares de cada condômino, desde que tal não redunde em prejuízo para os demais" (MARTINS, Tancredo e MARTINS, Octávio, Divisões e demarcações, 1917, apud JUNIOR, Humberto Theodoro, op. cit., p. 423-4).
Rememorando, depreende-se que o inconformismo dos apelantes reside no fato de que, ao homologar o plano de divisão elaborado pela equipe de peritos, o MM. Juiz da causa não levou em conta a manifestação contrária dos mesmos, no tocante à disposição, em separado, de suas glebas, ficando patente e claro o interesse por parte deles, por razões particulares, de que houvesse a confrontação entre ambas.
Assim, impõe-se perquirir, no caso presente, se a exigência dos apelantes em obterem a confrontação de suas propriedades configura uma circunstância particular relevante e que implique em importante influência quanto à utilidade e o proveito de suas terras, pois embora se sobrepondo aos princípios da igualdade e proporcionalidade, as regras da comodidade não são absolutas e encontram limites nos interesses dos demais condôminos. Neste sentido, a doutrina enfatiza que as regras de comodidade são relativas na medida em que "representam preferência a ser respeitada, na medida do possível, desde é claro que não conduzam a partilha a prejudicar os demais consortes" (JUNIOR, Humberto Theodoro, op. cit., p. 427).
E é exatamente por isso que a regra do art. 978 do CPC determina que a divisão deve procurar atender, "o quanto possível", a comodidade dos condôminos, respeitando a preferência destes pelas áreas contíguas à sua residência, bem como onde possuem benfeitorias, além de evitar que os quinhões sejam colocados em glebas separadas, tudo isso em favor de sua melhor aproveitabilidade econômica.
Ao se consignar no texto da lei a aludida expressão "o quanto possível", buscou-se estabelecer um limite para a subjetividade advinda do termo "comodidade", estribado em dados objetivos constantes dos autos e também nos direitos dos demais co-proprietários, sendo que tal limitação não pode ser desprezada.
E, reportando ao caso concreto, verifica-se que a possibilidade de que fosse atendida a "comodidade" pretendida pelas recorrentes, ou seja, a confrontação de suas glebas, foi constatada, na medida em que às fls. 30/731-TA dos autos o perito e os arbitradores esclareceram que seria possível que os quinhões de ambos, após a efetivação da divisão judicial, fossem contíguos, sendo que apenas ressaltaram que caso isso se concretizasse, haveria um comprometimento de água para qualquer uma das partes, o que, no entendimento dos experts, não seria recomendado.
Não demonstraram estes, caso realmente fosse determinada a mudança na divisão, qualquer impossibilidade técnica relevante ou mesmo prejuízo para os outros condôminos, sendo que como já demonstrado, somente levantaram a questão dos recursos hídricos e uma eventual imposição do Código Florestal.
Ocorre que, se os recorrentes insistem na pretensão de que seus quinhões sejam confrontantes entre si, mesmo diante do alerta pericial sobre as águas, e se tal exigência se mostra razoável, em se tratando de mãe e filho e de glebas de terras rurais, acabo chegando à mesma conclusão do eminente Relator no sentido de que é a vontade deles que deve preponderar, pois a contigüidade pleiteada influencia, à toda evidência, a destinação econômica da área, facilitando a sua exploração de inúmeras formas, além de prevenir conflitos entre os demais condôminos.
E, muito embora tenha o trabalho pericial sido laborado com a mais estrita diligência, ao valorar critérios de suma importância para as partes, é de se reconhecer que o interesse pela confrontação das glebas é critério que mais aproxima-se ao arbítrio do julgador, eis que subjetivo e relativo, uma vez que poderá apreciar a relevância desta comodidade, ponderando as observações da equipe técnica pericial e observando os interesses dos condôminos. Também neste sentido recomenda a doutrina:
"Bom senso e retidão de espírito são, na realidade, condições indispensáveis a uma boa partilha; razão pela qual, mais do que o apego a normas apriorísticas de divisão, o que importa é a criteriosa escolha do agrimensor e dos arbitradores, bem como o espírito de justiça do magistrado" (JUNIOR, Humberto Theodoro, op. cit., p. 426).
E é bom que se esclareça que o dispositivo legal apontado pelos peritos no intuito de reforçar a recomendação de que as glebas dos apelantes não sejam confrontantes, a saber, o art. 16 da Lei 4.771/65 (Código Florestal), de forma alguma tem o condão de suportar tal pretensão, como se vê, in verbis:
"Art. 16. As florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização limitada e ressalvadas as de preservação permanente, previstas nos artigos 2° e 3° desta lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes restrições:
a) nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas, desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada, a critério da autoridade competente;
b) nas regiões citadas na letra anterior, nas áreas já desbravadas e previamente delimitadas pela autoridade competente, ficam proibidas as derrubadas de florestas primitivas, quando feitas para ocupação do solo com cultura e pastagens, permitindo-se, nesses casos, apenas a extração de árvores para produção de madeira. Nas áreas ainda incultas, sujeitas a formas de desbravamento, as derrubadas de florestas primitivas, nos trabalhos de instalação de novas propriedades agrícolas, só serão toleradas até o máximo de 50% da área da propriedade;
c) na região Sul as áreas atualmente revestidas de formações florestais em que ocorre o pinheiro brasileiro, 'Araucaria angustifolia' (Bert - O. Ktze), não poderão ser desflorestadas de forma a provocar a eliminação permanente das florestas, tolerando-se, somente a exploração racional destas, observadas as prescrições ditadas pela técnica, com a garantia de permanência dos maciços em boas condições de desenvolvimento e produção;
d) nas regiões Nordeste e Leste Setentrional, inclusive nos Estados do Maranhão e Piauí, o corte de árvores e a exploração de florestas só será permitida com observância de normas técnicas a serem estabelecidas por ato do Poder Público, na forma do art. 15.
Parágrafo único. Nas propriedades rurais, compreendidas na alínea a deste artigo, com área entre vinte (20) a cinqüenta (50) hectares computar-se-ão, para efeito de fixação do limite percentual, além da cobertura florestal de qualquer natureza, os maciços de porte arbóreo, sejam frutícolas, ornamentais ou industriais".
Com efeito, tendo em vista as peculiaridades extraídas dos autos, tais como a relevância dos interesses particulares dos apelantes em que haja a confrontação de suas glebas, aliado ao fato de que esta pretensão mostrou-se possível, na forma acima explanada, conclui-se que o aludido limite legal não foi superado, o que me leva a acompanhar o entendimento do Eminente Relator, por entender ser medida de justiça e de bom senso proporcionar aos recorrentes um plano divisório na forma por eles desejada.
Posto isso, rogando vênia ao eminente Juiz Revisor, acompanho o douto Juiz Relator, na questão aqui tratada, bem como nos demais fundamentos do seu voto.