A fim de que os livros mercantis possam ter eficácia a favor do empresário, para apuração do valor de seu fundo de comércio, devem estar escriturados regularmente.
Íntegra do acórdão:
Acórdão: Apelação Cível n. 244.156-9, de Curitiba.
Relator: Des. Luiz Carlos Gabardo.
Data da decisão: 05.10.2004.
EMENTA: Apelação. Shopping Center. Rescisão de contrato de sublocação de espaço comercial. Inadimplemento da empreendedora. Não instalação das atrações e estabelecimentos prometidos. Restituição dos valores relativos a benfeitorias. Valores despendidos pelo sócio. Impossibilidade de devolução à empresa pessoa jurídica. Fundo de comércio. Indenização. Livros mercantis irregulares. Ausência de força probante. 1. É causa suficiente à rescisão do contrato de sublocação em shopping center a não instalação das atrações e estabelecimentos prometidos pela empreendedora, pois é fato determinante para o sucesso do negócio e ingresso do lojista no empreendimento. 2. Se os valores para a realização das benfeitorias foram despendidos pelo sócio, não podem ser restituídos à empresa pessoa jurídica quando inexistente cessão dos respectivos direitos. 3. A fim de que os livros mercantis possam ter eficácia a favor do empresário, para apuração do valor de seu fundo de comércio, devem estar escriturados regularmente. Art. 379 do CPC. 4. Recurso da ré provido em parte e recurso da autora improvido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível sob n.º 244.156-9, de Curitiba - 5ª Vara Cível, em que são apelantes e apelados GREZZANA COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA e CASAMORO EMPREENDIMENTOS S/A.
Insurgem-se as partes contra a sentença de fls. 690 a 702, mediante a qual o juízo a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos, para declarar a rescisão do contrato de sublocação de loja em shopping center e condenar a ré Casamoro a devolver à autora Grezzana o valor de R$ 19.318,37.
Sustenta, em síntese, a autora, em sua apelação, que houve equívoco por parte do Juiz no momento de fixar o valor da indenização, que compreende, em verdade, toda a importância por ela despendida para a instalação do restaurante, e não somente os valores que foram contabilizados. Afirma, ainda, que o direito à indenização pelo fundo de comércio foi reconhecido na sentença, não podendo ser obstáculo à sua concessão as irregularidades formais da escrituração contábil dos livros (fls. 705-719).
Na segunda apelação, a ré alega que não houve descumprimento contratual de sua parte, pois pode alterar as características do empreendimento a qualquer momento, e que, mesmo tendo deixado de instalar algumas atrações prometidas, houve substituição por outras de mesma qualidade. Sustenta ter equipado a loja da autora e depois locado a estrutura ao Sr. Fabiano Marcolini Mattos, cujo contrato é objeto de demanda perante a 7a Vara Cível de Curitiba, razão pela qual os valores dos recibos de fls. 167 e seguintes não podem ser entregues à autora, pois está a pleitear direito alheio. Por fim, mesmo que se reconheça direito da autora à devolução, a importância de R$ 19.318,37, apontada pelo perito, não pode ser considerada, pois seus livros contábeis estão irregulares perante a Junta Comercial (fls. 722 a 737).
A autora apresentou suas contra-razões, alegando, em síntese, que a autorização contratual de alteração unilateral do empreendimento é cláusula abusiva; que o descumprimento contratual foi reconhecido na sentença, pois seria necessário o cumprimento de todas as promessas feitas; que a ré reconheceu ter sido a autora quem custeou a instalação e aquisição dos equipamentos necessários para o restaurante (fls. 741 a 756).
Nas contra-razões à apelação da autora, a ré argumenta que não descumpriu o contrato; que as despesas com a instalação e montagem do espaço comercial foram arcadas pela ré, e que, ante a irregularidade dos livros contábeis da autora e em razão de inexistir fundo de comércio exclusivo dos lojistas, não pode ser concedida a indenização pleiteada (fls. 758 a 773).
É o relatório.
II - VOTO E SEUS FUNDAMENTOS
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço de ambos os recursos.
- DA APELAÇÃO DA RÉ
Aprecio primeiramente a apelação da ré, pois sua matéria é prejudicial à analise do recurso da autora.
A cláusula contratual que prevê a possibilidade de a empreendedora alterar, a qualquer momento, o tenant mix do shopping (fl. 45, item III), não é permissão para o descumprimento de promessas feitas anteriormente à celebração do contrato de locação.
Ademais, a promessa de instalação de espaços comerciais e atrações não se confunde com a redistribuição dos estabelecimentos comerciais já instalados no shopping e com nova disposição de seu espaço. A cláusula permite tão-somente o remanejamento dos estabelecimentos, e não a negativa de instalação do que fora acertado entre as partes.
Como bem demonstrado na sentença recorrida, as principais propostas não foram cumpridas. A casa de espetáculos e o centro de convenções nunca chegaram a ser instalados pela ré. Outras atrações, como o "Playcenter & Game Gallery", "Praça do D.J." e "Pista de Patinação", não foram instalados da forma anunciada no "Guia Prático para Comercialização" (fls. 114 a 145). Ademais, como também consta da sentença, "a mudança dos proprietários do empreendimento revela que não foi gerido como prometido" (fl. 695), sendo necessários novos investimentos e instalação de diversas "lojas âncoras" para sua revitalização.
Evidente que a não instalação de estabelecimentos de grande porte e atrativos de consumidores, como prometido, especialmente da clientela compatível com o restaurante da autora (das classes "A" e "B"), caracteriza inadimplemento da ré suficiente à rescisão do contrato firmado entre as partes.
A respeito, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n° 152.497, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, já se manifestou no seguinte sentido:
"[...] se o empreendedor não cumpre com a promessa - expressa ou implícita, porque inerente ao negócio - de destinar um dos espaços para instalação de loja âncora, fato determinante do negócio e da própria escolha do local, não há como deixar de considerar a regra do art. 1092 do CC, que trata do inadimplemento, quer para determinar o rompimento de toda a relação, quer apenas para afastar cláusulas ou obrigações diretamente atingidas com a falta de prestação convencionada. O uso da exceptio non adimpleti contractus ou da non rite adimpleti contractus era perfeitamente cabível."
Este Tribunal, no julgamento da Apelação Cível n° 206.907-2, em caso semelhante ao dos autos (inadimplemento da empreendedora Casamoro em contrato de sublocação de espaço comercial no "Estação Plaza Show"), também concluiu pela culpa da empreendedora para a rescisão do contrato:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO C/C PERDAS E DANOS - RECONVENÇÃO - PROCEDÊNCIA PARCIAL DE AMBAS - SUBLOCAÇÃO DE LOJA EM SHOPPING CENTER - RECURSO DA RÉ VISANDO REFORMA DA SENTENÇA - ALEGAÇÃO DE CULPA DA AUTORA PELA RESCISÃO DO CONTRATO DE SUBLOCAÇÃO - CULPA DA RÉ DEMONSTRADA ATRAVÉS PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL - MATÉRIA DE FATO E DE DIREITO BEM ANALISADAS PELO PROLATOR - SENTENÇA CONFIRMADA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS - APELAÇÃO DESPROVIDA." (Relator: Juiz Roberto de Vicente - 1a Câmara Cível - j. 04/11/2003).
Os valores contidos nos recibos de fls. 167 a 189 referem-se a importâncias pagas pelo Sr. Fabiano Marcolini Mattos em razão de contrato de locação de bens móveis firmado com a ré (fls. 106 a 109).
As notas fiscais representativas de despesas para instalação do estabelecimento comercial da autora (fls. 190 a 251), foram lançadas em nome da ré.
Assim, os valores despendidos com a instalação do estabelecimento, que foi entregue sem qualquer tipo de benfeitoria, foram pagos pela ré, a qual foi posteriormente reembolsada pelo Sr. Fabiano Marcolini Mattos, sócio da empresa autora, conforme os recibos de fls. 167 a 189.
O contrato de sublocação do imóvel também foi firmado pelo Sr. Fabiano Marcolini Mattos que, após a constituição da empresa autora, cedeu seus direitos a esta. No entanto, os direitos do contrato de locação de bens móveis realizado com a ré, do qual adveio a instalação da loja, não foram cedidos à autora. Observe-se que a autora foi constituída em 07/09/1997 (fl. 35) e o contrato de locação de bens móveis foi firmado em 26/09/1997 (fl. 107) e re-ratificado em 15/12/1997 (fl. 109).
Embora se pudesse presumir que a instalação do estabelecimento deu-se às custas da autora, inexiste qualquer prova nesse sentido. Como a importância gasta para instalação do estabelecimento está representada pelos recibos e notas fiscais, não há como se concluir que essa quantia deva ser restituída à autora. Seu nome não consta dos recibos ou das notas fiscais. Da leitura dos recibos, verifica-se que o Sr. Fabiano Marcolini Mattos realizou o pagamento em seu nome, e não no da autora. Ademais, não houve cessão dos direitos do contrato de locação de bens móveis à autora.
Embora o Sr. Fabiano Marcolini Mattos seja sócio da autora, não se pode confundir a pessoa da empresa com a de seus sócios, pois detêm personalidades jurídicas próprias.
Assim, a importância contida nos recibos de fls. 167 a 189 e nas notas fiscais de fls. 190 a 251, que, consoante admite a autora em suas contra-razões (fl. 754), representam o custeio com a reforma do espaço comercial, não lhe pode ser restituída, pois não há prova de que tenha sido ela, autora, quem efetuou o pagamento.
Em face do exposto, voto pelo provimento parcial do recurso da ré, para afastar a condenação à restituição dos valores despendidos para instalação do estabelecimento da autora, mantendo a sentença no tocante à rescisão do contrato.
- DA APELAÇÃO DA AUTORA
Isto posto, passo à apreciação da apelação interposta pela autora.
O recebimento da quantia despendida com a instalação do estabelecimento não pode ser reconhecido à autora, pois, como visto, não foi ela quem a desembolsou.
Consoante explanado acima, o valor dessa indenização fixada na sentença, foi encontrado com base nas notas fiscais e recibos, embora o MM. Juiz tenha deferido somente a quantia contabilizada.
Por outro lado, o valor do fundo de comércio foi aferido exclusivamente com base nos livros mercantis da autora. O critério utilizado foi o "lucro líquido médio mensal" da empresa, conforme consta do laudo pericial. Todavia, conforme consta da sentença, esses livros estão irregulares, de forma que o valor encontrado pelo perito não pode ser considerado, "porque a escrituração contábil da Autora é falha, os livros comerciais nem estão registrados na Junta Comercial (fls. 584) e nem assinados estão pelos sócios (fls. 591), o que infringe a legislação comercial." (fl. 701).
A respeito da regularidade na escrituração dos livros, Fábio Ulhôa Coelho ensina:
"Os requisitos extrínsecos visam conferir segurança jurídica ao livro. São formalidades que definem a responsabilidade pela escrituração - identificando o empresário e seu contador - e, em tese, podem dificultar alterações nos lançamentos feitos. São três: termo de abertura, termo de encerramento e autenticação da Junta Comercial."
Consoante adverte Trajano de Miranda Valverde, "para que os livros comerciais possam ser admitidos como meio de prova, a favor do seu proprietário, dos atos, fatos ou operações nêles registrados ou assentados, necessário é que os livros obrigatórios, pelo menos, se achem revestidos das formalidades legais extrínsecas e se apresentem escriturados com observância das regras discriminadas no Cód. Comercial" (apud Marcelo M. Bertoldi. Curso Avançado de Processo Civil. vol. I. 2. ed., 2003, p. 96).
O artigo 379 do Código de Processo Civil assim dispõe:
"Os livros comerciais, que preencham os requisitos exigidos por lei, provam também a favor do seu autor no litígio entre comerciantes."
Portanto, os livros mercantis da autora, por estarem irregulares, não podem ter valor probante a seu favor, para a finalidade de apuração do valor do seu fundo de comércio.
Não enseja acolhida, portanto, o apelo interposto pela autora.
III - DISPOSITIVO
ACORDAM os Juízes integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento parcial à apelação da ré, e conhecer e negar provimento à apelação da autora.
Participaram da sessão de julgamento os Excelentíssimos Juízes de Alçada CARVÍLIO DA SILVEIRA FILHO, Presidente, com voto, e ANNY MARY KUSS.
Curitiba, 05 de outubro de 2004.
LUIZ CARLOS GABARDO