Mesmo que este diploma legal prevendo a aplicação da pena de confissão àquele que faltar a audiência em que seria colhido seu depoimento pessoal, tal questão deverá, sempre, ser analisada conjuntamente com as demais provas carreadas aos autos. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO bem esclarece que a valoração é ato privativo do magistrado e "efetua-se depois de desenvolvidas todas as atividades dele próprio e das partes, destinadas à obtenção dos informes que cada uma das fontes haja sido capaz de oferecer" (Instituições de Direito Processual Civil. v. III. 5 ed. São Paulo: Malheiros, p. 91). Ainda que obrigatória a imposição da penalidade àquele que não comparece à audiência de colheita de seu depoimento pessoal, trata-se de confissão ficta, valendo tão-somente como verdade parcial a ser confirmada pelas demais provas constantes dos autos.
Íntegra do acórdão:
Apelação Cível n. 2012.026902-7, de Caçador.
Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben.
Data da decisão: 31.05.2012.
EMENTA: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ART. 927 DO CPC. REQUISITOS LEGAIS INDEMONSTRADOS. PEDIDO PARA A DECLARAÇÃO DA CONFISSÃO FICTA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. É do autor o ônus de provar a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data da moléstia e a perda da posse. À míngua de qualquer um desses requisitos (CPC, art. 927), impõe-se a improcedência do pleito reintegratório. "A regra do art. 343, § 2º, do CPC, não é absoluta nem implica, necessariamente, a confissão dos fatos alegados contra a parte, ou improcedência do pedido, quando presentes nos autos elementos suficientes para formar o convencimento do magistrado em sentido contrário" (Desembargador Edson Ubaldo).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.026902-7, da comarca de Caçador (1ª Vara Cível), em que são apelantes José Ribeiro dos Santos e Maria Nair dos Santos e apelada Osvaldina Aparecida Souza Furtado:
A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Trindade dos Santos (Presidente) e Gilberto Gomes de Oliveira.
Florianópolis, 31 de maio de 2012.
Luiz Carlos Freyesleben
RELATOR
RELATÓRIO
José Ribeiro dos Santos e Maria Nair dos Santos apelaram de sentença da doutora Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da comarca de Caçador que, em ação de reintegração de posse cumulada com ação demolitória, movida por eles contra Osvaldina Aparecida Souza Furtado, julgou os pedidos improcedentes, condenando-os ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixou em R$ 1.000,00.
Alegaram ser possuidores da área sob litígio que mantêm cercada há muito tempo. Apesar disso, a apelada invadiu-a, iniciando a construção de uma casa. Assim, sustentaram estar provada a data do esbulho, alegando haverem notificado, extrajudicialmente, a ré, em 27-6-2008.
Acrescentaram que, por ocasião da audiência de instrução e julgamento, a apelada e seu advogado não se fizeram presentes, razão por que requereu a incidência da pena de confissão ficta, com a reforma da sentença para a procedência dos pedidos iniciais.
A apelada contra-arrazoou, pedindo o desprovimento do recurso.
Este é o relatório.
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto por José Ribeiro dos Santos e Maria Nair dos Santos contra sentença da doutora Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da comarca de Caçador que, em ação de reintegração de posse cumulada com ação demolitória, movida por eles contra Osvaldina Aparecida Souza Furtado, julgou os pedidos improcedentes.
Os apelantes insistem em que se deva aplicar a pena de confissão ficta à apelada, porquanto não esteve presente quando da audiência de instrução e julgamento. Entretanto, não têm razão, pois
a regra do art. 343, §2º, do CPC, não é absoluta nem implica, necessariamente, confissão dos fatos alegados contra a parte, ou improcedência do pedido, quando presentes nos autos elementos suficientes para formar o convencimento do magistrado em sentido contrário (Ap. Cív. n. 2008.012077-7, de Rio do Sul, rel. Des. Edson Ubaldo, j. 13-8-2010).
No mesmo sentido temos:
A parte, intimada a prestar depoimento pessoal, não está obrigada a comparecer perante o Juízo diverso daquele em que reside. A pena de confissão não gera presunção absoluta, de forma a excluir a apreciação do Juiz acerca de outros elementos probatórios. (REsp 161438/SP, rel. Min. Raphael de Barros Monteiro Filho, j. em 6-10-2005) (Ap. Cív. n. 2007.014953-0, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 4-11-2008).
Extraio do acórdão o seguinte excerto:
Estipula o art. 343, § 2º, do Código de Processo Civil, que: "Se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz lhe aplicará a pena de confissão".
Mesmo que este diploma legal prevendo a aplicação da pena de confissão àquele que faltar a audiência em que seria colhido seu depoimento pessoal, tal questão deverá, sempre, ser analisada conjuntamente com as demais provas carreadas aos autos.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO bem esclarece que a valoração é ato privativo do magistrado e "efetua-se depois de desenvolvidas todas as atividades dele próprio e das partes, destinadas à obtenção dos informes que cada uma das fontes haja sido capaz de oferecer" (Instituições de Direito Processual Civil. v. III. 5 ed. São Paulo: Malheiros, p. 91).
Ainda que obrigatória a imposição da penalidade àquele que não comparece à audiência de colheita de seu depoimento pessoal, trata-se de confissão ficta, valendo tão-somente como verdade parcial a ser confirmada pelas demais provas constantes dos autos.
O magistrado analisa as provas de forma livre, fundamentando, contudo, seu convencimento. Por isso, repisa-se, o não comparecimento à audiência não importa, automaticamente, na declaração de procedência dos pedidos da parte contrária. Seus efeitos são meras presunções, não dispensando o juiz de apreciar todo o processo, com suas nuances.
Assim, a aplicação da pena de confissão não basta para ensejar a improcedência do pedido, mormente porque a presunção de que se trata é apenas relativa.
O apelo dos autores não tem por que vingar, ante a falta dos requisitos indispensáveis à configuração do esbulho possessório, não se podendo reintegrar os autores na posse do bem, na forma do artigo 927 do Código de Processo Civil, combinado com o 1.210 do Código Civil. Esses requisitos são:
I - a sua posse;
II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.
Ocorre que, no curso da demanda, os autores não lograram provar sua posse sobre as terras de que se trata. Doutra parte, a ré juntou aos autos comprovante de pagamento de IPTU, em seu nome, contrato de financiamento com a Caixa Econômica Federal para a construção de uma casa, contrato particular de compra e venda do terreno e certidão de registro do imóvel em seu nome (fls. 51-82). Além disso, os depoimentos das testemunhas arroladas pelos autores dão conta de que a ré exerce a posse mansa e pacífica do terreno há mais de três anos, razão por que correta está a sentença ao julgar improcedente o pedido.
A questão mereceu detalhado exame por parte da eminente Juíza de Direito, doutora Lívia Francio Rocha Cobalchini, cujos argumentos recolho para integrá-los a este voto.
Disse Sua Excelência:
Discute-se na presente ação a posse de parte de um terreno rural, situado no município de Caçador, com área total de com 12.334,59 m², confrontando, ao Norte com a SC 302, rodovia denominada 31 de Março; ao Sul com Pedro Herbert Jung; ao Leste com a Cia Comazzetto de Madeiras Gerais e ao Oeste com Moyses João Comazzetto, afirmando os autores, que foram esbulhados, pelos requeridos, uma área de mais ou menos 900 m² do referido imóvel.
Trata-se, portanto, de demanda possessória e, o Código Civil Brasileiro, de 1916, quanto o de 2002, adotaram a teoria objetiva de Ilhering, consagrada no art. 1.196 do CC/02, correspondente ao art. 485 do CC/1916, sendo aplicável ao caso em tela o Código Civil de 2002, vigente à época dos fatos.
Para Ilhering, a posse se caracterizava de forma objetiva, com a simples exteriorização da propriedade, podendo ela ser direta ou indireta.
Determina o art. 1.196 do CC:
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Assim, basta que os possuidores exerçam alguns dos poderes inerentes à propriedade para que se configure a posse, que pode ser de boa-fé ou de má-fé.
Determina, ainda, o art. 1.210 do CC:
O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
Esse mesmo dispositivo é quase que reproduzido no Código de Processo Civil em seu artigo 926, que cuida das ações de manutenção e reintegração de posse.
Já no art. 927 encontramos os requisitos para o deferimento das ações possessórias:
Incumbe ao autor provar: I a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse na ação de reintegração.
No caso em tela, foi produzida a prova oral na audiência de instrução e julgamento, consistente na inquirição de duas testemunhas arroladas pela parte autora (fls. 111-3).
A prova testemunhal colhida em audiência deixou claro que a requerida exerce a posse mansa e pacífica de parte da gleba de terras matriculada sob n. 2497, a qual era exercida anteriomente pelos autores.
Nesse sentido, vejamos trecho dos depoimentos gravados (CD-rom à fl. 114).
Testemunha Francisco Antonio Fonseca:
[...] sei do terreno porque o "seu Zé" falava conosco no posto; segundo o que eu sei, ele era o proprietário; às vezes via a camioneta dele no terreno; não conheço a requerida; pelo que recordo desde 2007 a requerida ocupa o terreno; pelo ângulo da foto (fl.63) talvez seja o local do terreno; antes de construir a casa já tinha cerca [...]
Informante Julio Católico da Cruz:
[...] me considero amigo do autor; sempre faço limpeza nesse terreno; faz uns dois anos que faço a limpeza do terreno dele; antes eu não limpava; a "turma" comentava que o terreno era dele; sei que faz uns seis ou sete anos que a requerida está alí; antes dela construir a casa, era um terreno fechado com cerca; o autor nunca morou alí; não havia casa no terreno; não sei quando a ré começou a construir as casas; ouvi comentários de que a ré deixou o terreno que era dela, porque era muito molhado; ela mora com os filhos dela [...]
Destarte, a prova colhida é uníssona ao afirmar, que a posse da área é exercida há mais de três anos por Osvaldina Aparecida Souza Furtado que vem exercendo a posse de forma mansa e pacífica.
Assim, não ficaram comprovados os requisitos para o deferimento da ação possessória que, ao contrário do que alegam os autores, a posse é estado de fato e deve ser demonstrada, não bastando o fato de serem titulares do domínio para comprovarem sua posse sobre a parte do imóvel objeto da presente reintegração.
[...]
Incumbia aos autores a prova anterior da posse da área, bem como a prova do suposto esbulho praticado pela requerida, a sua data e a consequente perda da sua posse, porém, o que ficou demonstrada foi a posse mansa e pacífica da área objeto da ação pela ora requerida.
Uma vez não demonstrados os requisitos acima, previstos no art. 927 do Código de Processo Civil, não há como se deferir o pedido reintegratório, que deve ser julgado improcedente, tendo em vista que, conforme já dito anteriormente, não se discute na presente demanda a propriedade, mas tão somente o direito de posse.
Assim, restando comprovado que a requerida exerce a posse mansa e pacífica da área, não há que se falar em esbulho, não restando comprovados os requisitos para o deferimento do pedido de reintegração de posse formulado pelos autores.
Portanto, evidenciado o fato de que os autores não provaram a posse justa, nem o esbulho atribuído à ré e, ante as provas enfeixadas no processo, não se pode vislumbrar o direito invocado, razão por que os pedidos iniciais eram mesmo de ser, como foram, julgados improcedentes. Ademais, é da jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. FALTA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS IMPOSTOS PELO ARTIGO 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS PROBATÓRIO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 333, I, DO CODEX PROCESSUAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "É do autor o ônus de provar a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data da moléstia e, em razão desta, a perda da posse; do contrário, ausente um ou mais dos requisitos legais engastados no artigo 927 do Código de Processo Civil, impõe-se a improcedência do pleito reintegratório" (TJSC, Des. Luiz Carlos Freyesleben) (Ap. Cív. n. 2009.000495-7, de Garopaba, rel. Des. Fernando Carioni, j. 17-4-2009).
Em razão do exposto e à mingua dos elementos caracterizadores do instituto da reintegração de posse, mantém-se a sentença de improcedência dos pedidos iniciais.
Destarte, conheço do apelo interposto pelos autores, a que nego provimento.
Este é o voto.